No domingo, dia 27 de outubro de 2024, após os resultados das urnas, sentei-me à frente do computador com o objetivo de escrever ao prefeito Sebastião Melo, que foi reeleito pela população de Porto Alegre com 61,53% dos votos válidos e, assim como no primeiro turno, venceu nas dez zonas eleitorais da cidade e, assim, conduzirá Porto Alegre por mais quatro anos.
Primeiramente, Sr. Prefeito, quero lhe parabenizar e desejar que consiga cumprir parcialmente (acredito que possam ocorrer algumas mudanças) sua plataforma eleitoral. Esta carta não tem como fim a exploração do assistencialismo nem a vitimização dos atores citados, mas sim propor uma reflexão sobre o tema.
Faço um pedido, reflita sobre a “Parcerização” do Gerenciamento dos Resíduos da cidade com uma empresa estrangeira por 35 anos. Temos vários exemplos recentes, pelo mundo e no Brasil, de que a privatização ou “parcerização” (termo que o senhor adotou) de serviços essenciais não deram certo. A privatização pode elevar o preço do serviço e trazer uma menor qualidade dele. O mundo está revendo estes processos e temos a oportunidade de Porto Alegre, novamente sob a sua gestão, fazer o caminho inverso, mantendo o Gerenciamento dos Resíduos sob a tutela do município. Temos o DMLU (Departamento Municipal de Limpeza Urbana), com a expertise de 34 anos na Coleta Seletiva, e que teve o seu quadro de servidores – de pessoas extremamente competentes – reduzido. Um departamento que já teve status de autarquia e hoje está sucateado (no âmbito do fisco, tecnológico e de servidores). Mesmo assim, resiste, heroicamente. Não transforme o DMLU em um mero escritório de fiscalização de um contrato de 35 anos. Invista no DMLU!
Invista pesado na Educação Ambiental!
Relembre, Sr. Prefeito, que fomos referência na coleta seletiva no país, portanto, invista no empreendedorismo social das Associações e Cooperativas de Catadores que têm contrato com o Município. Remunere-as pelo serviço prestado e com aporte justo de recursos para manutenção das Unidades de Triagem (espaços que necessitam de manutenção estrutural). É verdade e reconheço que o Senhor aportou recursos de R$ 60 mil reais para reparos dos danos causados pelas chuvas de setembro de 2023, porém, este valor é insignificante. Faço o registro de que o seu governo criou o Auxílio Reciclagem no valor de R$ 670 reais para cada trabalhador das Associações/Cooperativas de catadores contratadas, que, aliás, peço que seja uma Política Pública contínua para a promoção da segurança alimentar destes trabalhadores e de suas famílias.
As Associações e Cooperativas aguardam ansiosamente que os recursos do Fundo de Incentivo à Reciclagem que estão sendo aplicados em projetos para reformas estruturais de grande porte “saiam do papel” e, com os recursos provenientes do Banco Mundial e outros investimentos internacionais, sejam rapidamente executados, para darmos um salto de qualidade no serviço prestado e na renda dos catadores.
Estes profissionais, Senhor Prefeito, buscam gerenciar os seus negócios de forma autônoma e ter sua contratação mantida diretamente com a Prefeitura, visto que é um negócio social que atua com uma população socialmente excluída. Uma política pública que precisa de recursos. Tenho certeza de que toda a categoria quer, através da sua gestão e das ações do Ministério Público, Defensoria Pública e Ministério Público do Trabalho, que os acordos setoriais sejam cumpridos e formalizados de forma a trazer recursos financeiros e não “capacitações” ou “doações pontuais”. Querem gerir estes recursos e poder destinar o uso onde cada grupo entender melhor para sua Associação/Cooperativa. Tire da gaveta o Projeto Piloto de Coleta Solidária (feito pelos catadores) e coloque os catadores dentro da engrenagem do Gerenciamento dos Resíduos Sólidos Urbanos.
Deixo aqui o registro de outra parte da categoria que também busca reconhecimento e manutenção de seu trabalho, os autônomos, afinal, não são bandidos, mas trabalhadores que individualmente tiram da coleta diária dos resíduos o seu sustento e de seus familiares.
Por fim, Senhor Prefeito, no próximo dia 19 de novembro, seus representantes se farão presentes em mais uma audiência de mediação conciliatória na sede da Justiça do Trabalho. Tenho a pretensão de que, de alguma forma, minha carta tenha chegado ao seu conhecimento e que o senhor, que é o Prefeito de Todos, o homem do chapéu de palha, do chinelão que veio de Goiás buscar oportunidades melhores e hoje é um político renomado, se sensibilize a este apelo e não extingue com esta categoria de trabalhadores, seus espaços de trabalho, seus sonhos e objetivos de crescimento e de seus familiares, através dos resíduos. Do contrário, mantendo esta Privatização/”Parcerização”, serão milhares de pessoas desempregadas e famílias desamparadas, além da frustração de anos de investimento físico e mental nos seus empreendimentos. E, antes que o senhor argumente que não existem recursos, que é oneroso para a cidade, lhe afirmo que estes empreendedores sabem como ninguém o que é enfrentar adversidades. Passaram dois longos anos da gestão anterior à sua sem receber os valores do contrato com a Prefeitura e seguiram trabalhando e se virando como dava para manter as contas em dia e fazer reparos mínimos nas Unidades de Triagem. Falta incentivo e oportunidade, que não virão com uma parceria pública privada.
Fomente o empreendedorismo social! Esta categoria de trabalhadores quer reconhecimento e condições de trabalho.
Para registro, sou assessora técnica de três associações e uma cooperativa de catadores, contratada diretamente por eles. Portanto, também dependo dos resíduos economicamente.
Atenciosamente,
Simone Pinheiro
Assistente Social e Mestre em Ciências Sociais.
Simone Pinheiro é assistente social, mestre em Ciências Sociais e articuladora do POA Inquieta.
Foto da Capa: Reprodução do YouTube
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