É raro encontrar um ambiente de saúde tão bonito, colorido e acolhedor. Andar pela Casa dos Raros parece mais com uma visita a uma startup ou a uma ONG descolada do que uma clínica ou hospital. Impressão que ficou mais forte quando a superintendente da instituição, Carolina Fischinger de Souza, nos falou dos atributos ambientais do prédio.
É raro nos unirmos para escrever uma coluna, mas nós – Marcos Bliacheris e Lelei Teixeira – decidimos assinar este texto juntos após uma visita que fizemos ao Centro de Atendimento Integral e Treinamento em Doenças Raras. Também chamada de Casa dos Raros, é uma parceria do Instituto Genética para Todos com a Casa Hunter, duas organizações da sociedade civil que desenvolvem projetos na área de doenças genéticas raras.
Mas o que são doenças raras? Elas são definidas pela prevalência: no Brasil, ocorrem em 65 pessoas a cada 100 mil habitantes. No mundo, há cerca de oito mil doenças raras, das quais mais de 70% são genéticas. As demais incluem formas raras de câncer, doenças infecciosas e condições imunológicas ou endócrinas. A maioria dos sintomas começa na infância (80%), mas são de difícil diagnóstico. Demora, em média, mais de quatro anos, podendo levar até vinte anos, o que pode ser agravado quando consultas e exames especializados demoram anos para serem marcados.
A Casa dos Raros atende os pacientes de forma abrangente. Desenvolve atividades de diagnóstico laboratorial, pesquisa básica e aplicada, educação para o público e treinamento dos profissionais de saúde na área de doenças raras. A equipe é formada por profissionais de saúde de diversas áreas. Nenhum pagamento necessita ser feito pelos pacientes em relação aos atendimentos ou exames realizados na Casa, incluindo os que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS), e são encaminhados por instituições públicas ou mediante um registro de interesse.
Na visita, fomos apresentados ao conceito de “navegador”, um profissional que permanece junto ao paciente, guiando-o ao longo do tratamento e ajudando a remover obstáculos que possam comprometer sua recuperação. Em tratamentos complexos, com muitos especialistas diferentes atuando juntos, é comum o paciente sentir-se perdido, sensação que pode ser diminuída pela atuação do “navegador”.
Essa ideia veio da observação de um médico, Harold Freeman, ao prestar atenção em suas pacientes negras com câncer de mama, que apresentavam índices de cura significativamente inferiores em comparação com as brancas, apesar de todas receberem o mesmo tratamento. Ao investigar, ele identificou que as pacientes negras enfrentavam maiores barreiras sociais, como questões financeiras, responsabilidades familiares e dificuldades de transporte, o que dificultava a adesão ao tratamento.
Para diminuir o impacto das desigualdades na saúde dessas mulheres, Freeman desenvolveu o conceito de navegação de pacientes, uma abordagem que busca garantir que todos os pacientes tenham acesso efetivo aos cuidados de saúde, superando os desafios que frequentemente enfrentam. Esse papel é complementado na Casa por uma assistente social.
Esse cuidado é raro, porém essencial. Muitas pessoas que buscam a Casa vêm do interior do Estado, sem maiores informações sobre Porto Alegre. Ou são pessoas que vivem uma situação financeira penosa e não conhecem eventuais benefícios a que têm direito. E, atrás de uma pessoa com uma doença incapacitante ou deficiência, sempre vem uma cuidadora que também está impedida de trabalhar e até mesmo realizar as suas tarefas diárias. Nesse ponto, nossa conversa é interrompida por uma mãe que conta das dificuldades que passou até chegar à Casa dos Raros e nos relata que já havia dormido em praças e bancos de igreja atrás de tratamento para sua filha.
Como o papo estava bom, ela nos contou da excelência do atendimento, sempre com respeito e cuidado com cada pessoa, mostrando que, além de ser um trabalho muito necessário, é feito com lucidez e afeto, equilibrando eficiência e inovação com a atmosfera de idealismo das falas que escutamos lá. O que é raro, porém essencial para um projeto tão ambicioso quanto generoso.

Lelei Teixeira e Marcos Weiss Bliacheris são colunistas da Sler
Foto da Capa: Reprodução do Youtube