Viver junto é muito bom, e quando a paixão acontece é muito frequente as pessoas focarem nas coisas boas, na lua de mel, na vida a dois, nos filhos, etc., e deixarem de lado as consequências jurídicas da opção tomada pelo casal, seja pelo casamento ou pela união estável.
Só que nada é perfeito, muitas vezes o encantamento e até o mais puro amor acabam, e o casal além de ter de superar uma nova realidade, ainda tem de enfrentar os aspectos práticos que envolvem uma separação. E são nesses momentos que finalmente as pessoas se apresentam como realmente são, somando-se ao sofrimento pelo fim da relação, tremendos problemas pessoais, patrimoniais e financeiros.
Além disso, mesmo quando o amor perdura, alguém sempre morre, e existem os aspectos sucessórios que também devem ser avaliados, antes de definir qual será o regime de bens a ser adotado pelo casal.
Assim, é sempre bom antes de tomar a decisão de formar um casal, de se mostrar para a sociedade como tal, encher suas redes sociais com fotos desse amor lindo, único e definitivo, de morar junto, de marcar um lindo casamento na igreja ou no cartório, consultar um advogado.
Ele irá lhe ajudar a encontrar a melhor solução jurídica a ser adotada para o seu caso, principalmente se um dos envolvidos tiver mais bens, maior sucesso profissional, já tiver filhos, for de família mais abastada, houver muitas diferenças sociais, de idade, e se o amor da sua vida possuir dívidas.
Depois disso, converse com a sua cara metade sobre a importância de estabelecer formalmente o regime jurídico que irá regular a relação entre vocês, seja um namoro, uma união estável ou casamento.
Isso pode ocorrer através de um Contrato de Namoro, Contrato de União Estável, Escritura Pública de União Estável, pacto antenupcial, ou de outro instrumento sugerido pelo seu advogado após conhecer sua realidade.
A formalização de uma Escritura Pública de União Estável é algo bem simples. Basta solicitar ao Cartório de Notas mais perto, a lavratura desse documento, informar qual a data de início e o regime de bens mais adequado. Alguns cartórios já permitem que isso seja feito “on-line”. Embora não seja obrigatório, vale registrar essa escritura no Livro E, do registro civil. Desse modo, ninguém poderá casar com o seu amor, enquanto não tiver sido registrada a dissolução da sua união estável com ele, e você estará resguardando também seu patrimônio.
Importante salientar o entendimento jurisprudencial, inclusive do STJ, de que é invalida a eleição de regime de bens diverso do legal, de forma retroativa. Os efeitos do regime escolhido serão daquele momento em diante.
Assim, escolha com cuidado o regime de bens que mais lhe convém antes de entrar em uma união estável ou casamento. Se ele ou ela se ofenderem, pense bem antes de casar ou de entrar em uma união estável. Eu sei que não adianta avisar, mas é fria. Você irá ficar com a “pulga atrás do orelha” até que, mais cedo ou mais tarde, a realidade se apresente, cobre caro pela sua imprudência, e alguém da sua família lhe diga: “eu avisei”.
Quais os tipos de casamento?
A legislação brasileira permite o casamento civil, o casamento religioso, e o casamento religioso com efeitos civis, uma vez atendidos os requisitos previstos no Código Civil. O casamento religioso acaba recebendo o mesmo tratamento de uma união estável.
Como definir uma união estável?
Existe uma definição legal no Código Civil, no sentido de que “É reconhecida como entidade familiar a união entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição familiar”.
Esse conceito é muito vago e complexo, e a falta de detalhamento legal fez com que existisse muita controvérsia jurídica e jurisprudencial sobre as uniões homoafetivas, sobre como deveria ser a convivência na união estável, o caracterizaria ou descaracterizaria a continuidade, qual seria o tempo necessário para entender uma relação como duradoura, sobre o que significaria o objetivo de constituir uma família, até onde iria o namoro, em que momento esse namoro viraria um namoro qualificado, e quando finalmente se transformaria em uma união estável.
Tais aspectos ainda levantam controvérsias, e muitas vezes é somente após a análise, caso a caso, que o juiz consegue decidir se houve ou não uma união estável, quando começou, quando terminou, eventuais partilhas de bens, pensões, e demais efeitos civis, patrimoniais ou parentais.
Além disso, muitas pessoas têm filhos, até moram juntos, mas não querem formar uma união estável, querem apenas ter um bom convívio para educarem e viverem juntos com os seus filhos, sem a vida conjugal, e assim os contratos de parentalidade estão cada vez mais em voga.
É verdade que muitos pontos já foram definidos pelo judiciário nas últimas décadas. No entanto, em um país com as dimensões continentais do Brasil nem sempre o entendimento do judiciário foi ou é uniforme, e só conseguimos ter mais previsibilidade e segurança jurídica sobre alguns pontos a partir dos julgamentos do STJ e do STF, que costumam demorar.
Ademais, a sociedade está em constante mutação, os costumes mudam rapidamente, novos questionamentos surgem com muita frequência, e novas teses são criadas pelos advogados que muitas vezes não concordam com o entendimento jurisprudencial ou que consideram que determinados questionamentos não foram dirimidos, fazendo que vários pontos aparentemente pacificados voltem à discussão.
Alguns pontos polêmicos decididos ou a decidir
– Uma das questões mais polêmicas foi sobre a possibilidade das uniões homoafetivas configurarem uniões estáveis, e isso foi decidido e reconhecido pelo STF, em 2011;
– A vida em comum sob o mesmo teto não é indispensável para a caracterização da união estável conforme disposto na Súmula 282 do STF;
– Outro ponto muito polêmico, julgado pelo STF em 2017, mas que ainda encontra muita resistência por parte de alguns advogados, foi a equiparação da união estável, para fins sucessórios entre cônjuges e companheiros. Ainda pende de julgamento um recurso chamado de Embargos de Declaração para que o STF esclareça se o companheiro ou companheira são herdeiros necessários. Me parece óbvio que sim pelo julgamento, mas isso ainda é controverso, e pende de julgamento.
– Muito se discutiu se a fidelidade seria um requisito essencial para uma união estável, mas levando-se em conta que a infidelidade e relações amorosas abertas acontecem em um grande número de casamentos civis, e que ninguém considera um casamento inexistente por isso, entendeu-se que a infidelidade também não descaracterizaria a união estável.
– Um dos elementos que definem a união estável é a conjugalidade, que também se encontra presente em muitas uniões polieafetivas, que ocorrem entre três ou mais pessoas, que constituem verdadeiras famílias, com frequência com filhos, com patrimônio particular ou acumulado pelos integrantes, e que não raramente se amam muito e são felizes. Todavia, o Conselho Nacional de Justiça proibiu o registro das escrituras públicas das uniões poliafetivas, deixando esses núcleos familiares desprovidos da segurança e proteção jurídica que o registro das escrituras públicas lhes permitiria.
A falta de reconhecimento jurídico dessa situação de fato, que obviamente configura uma união estável diminuirá a proteção dessa entidade familiar perante terceiros, poderá dificultar a solução de problemas patrimoniais, sucessórios, previdenciários, tributários, e também criar dificuldades nas relações disciplinadas pelo direito de família, com reflexos nos filhos e em diversos âmbitos das suas vidas. Imagino que nos próximos anos essas uniões estáveis recebam a devida proteção estatal.
– Até agora, assim como não são possíveis casamentos simultâneos, não é possível uma união estável simultânea com um casamento, exceto se já houve uma separação de fato. Ressalte-se que a recente Lei 13.832, de 04 de junho de 2022, determina que não poderá ser promovido o registro, no Livro E, de união estável de pessoas casadas, ainda que separadas de fato, exceto se separadas judicialmente ou extrajudicialmente, ou se a declaração da união estável decorrer de sentença judicial transitada em julgado.
REGIMES DE BENS
Os regimes mencionados no Código Civil brasileiro são:
– Comunhão Parcial de Bens, esse regime estabelece que comunicam-se os bens que sobrevierem ao casamento, aqueles adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; os bens adquiridos por doação herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; os frutos dos bens comuns, ou dos bens particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Não se comunicam os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges, em sub-rogação, dos particulares; as obrigações anteriores ao casamento; as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo se revertidos em proveito do casal; os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes; e são incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento.
Embora o Código Civil estabeleça que não se comunicam os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, há entendimento jurisprudencial pacífico de que se comunicam, pois haveria sempre uma presunção absoluta de um esforço matrimonial solidário, que não admite prova em contrário, não importando se apenas um dos cônjuges trabalha e o outro exerce apenas tarefas de casa ou cuida dos filhos.
Esse regime é o adotado quando não houver convenção, ou ela for nula ou ineficaz, tanto no casamento quanto na união estável.
– Regime de Comunhão Universal – haverá a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas.
Não se comunicam os bens dados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; os bens gravados com fideicomisso e o direito do fideicomissário, que nada mais é do que uma disposição do testador, de que por ocasião da sua morte, um bem se transmita a uma pessoa, mas que em razão da morte dessa pessoa, ou após um certo tempo ou condição, o mesmo bem seja transmitido para outro herdeiro; as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Embora o Código Civil estabeleça que não se comunicam os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, há entendimento jurisprudencial pacífico de que se comunicam, pois haveria sempre uma presunção absoluta de um esforço matrimonial solidário, que não admite prova em contrário, não importando se apenas um dos cônjuges trabalha e o outro exerce apenas tarefas de casa ou cuida dos filhos.
A incomunicabilidade dos bens acima mencionados não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.
Regime da participação dos aquestos
Cada cônjuge possui patrimônio próprio, e lhe cabe por ocasião da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
Regime da separação de bens
Os bens permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. O fato de os cônjuges terem estipulado a separação de bens, não impede que ambos comprem um ou mais bens, deixando claro na escritura que ambos são os compradores, e o percentual ou fração de cada um com relação ao respectivo bem.
O regime de separação de bens será chamado de “regime de separação convencional de bens”, quando decorrer de uma escolha dos envolvidos.
Poderá ser chamado de “de separação legal ou obrigatória”, quando decorrente de imposição legal, como é o caso das pessoas que contraírem casamento ou entrarem em união estável com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento, maiores de 70 anos ou menores de 16 anos.
Entende-se que mesmo no regime da separação de bens, se não houver pacto antenupcial em sentido contrário, os frutos serão comunicáveis e divisíveis.
Importante salientar que o STJ fez uma releitura da Súmula 377 do STF que diz que “No regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, na qual o STJ manifestou seu entendimento de que no regime de separação legal haverá a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento ou união estável, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Desse modo, mesmo no regime da separação legal de bens, há uma porteira aberta para longas batalhas judiciais discutindo a partilha de bens.
Alguns cuidados que se pode tomar para proteger, um pouco, seu patrimônio nas uniões estáveis ou casamentos
– Formalizar sempre a situação de fato, com o auxílio de um advogado. Isso facilitará provar em juízo quando começou a união estável, quando terminou, quais são os bens adquiridos com o esforço comum do casal, quais são os bens anteriores a união estável, os decorrentes de doações com cláusula de incomunicabilidade, heranças, sub-rogacões, etc.;
– Ao vender um imóvel particular, seja decorrente de herança, doação, sub-rogação, ou aquisição prévia, para adquirir um outro bem, convém exigir que na escritura pública de compra e venda do novo bem a ser comprado com tais recursos, seu cônjuge ou companheiro ou companheira, compareça como interveniente anuente, declarando que o novo imóvel está sendo adquirido com recursos exclusivos do outro integrante do casamento ou união estável, decorrentes da venda de um imóvel particular adquirido antes do casamento ou da união estável, ou havido por meio de doação com cláusula de incomunicabilidade, herança, ou sub-rogação, conforme o caso. Exija, portanto, a inserção da cláusula de sub-rogação na escritura pública de compra e venda do novo bem;
– Muito cuidado em vender um imóvel que não integre o patrimônio comum do casal, um imóvel particular, e criar uma empresa com seu cônjuge ou companheiro ou companheira. É importante, nesses casos, que fique acertado na documentação societária qual o percentual acionário de cada um, e recomendo também a formalização de um documento assinado pelo cônjuge ou companheiro ou companheira, declarando reconhecer que as cotas sociais do outro integrante foram adquiridas com recursos exclusivos, cuja origem deve ser explicitada, que não integravam ou decorreram do patrimônio comum do casal, ou seja, que haja a inserção da cláusula de sub-rogação. Consultar um advogado é fundamental nessas circunstâncias, para que ele verifique qual o documento adequado e a redação necessária. Mesmo assim, como se demonstrará a seguir, há sempre o risco de misturar o patrimônio, e em caso de separação ou falecimento, acabar dividindo algo que decorreu da sua herança ou bens particulares, por exemplo.
– Também é muito comum que o cônjuge , companheiro ou companheira, que detém a administração da empresa pertencente ao casal, ou até mesmo exclusivamente a outra parte, comece a fazer manobras para desviar os bens e lucros da empresa para terceiros da sua confiança, a fim de se locupletar ilicitamente ou evitar a correta partilha, em caso de separação, divórcio, ou falecimento da cara metade. Nem sempre essas fraudes são perceptíveis, passíveis de comprovação, ou podem tais bens ou valores serem revertidos ou ressarcidos a tempo. Fique de olho.
– Se o você já tiver uma empresa, e seu cônjuge ou companheiro ou companheiro for trabalhar nela, ou efetuar investimentos, empréstimos, aportes, você corre o risco de em uma separação ter de dividir sua empresa, pois poderá haver a alegação de que houve a confusão patrimonial, que o sucesso e a valorização da empresa decorreu do esforço comum do casal, e ser acolhido judicialmente o pedido de partilha.
– Lembre-se que mesmo que o seu cônjuge ou companheiro ou companheira jamais tenham pisado na sua empresa, alguns tribunais, como, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, já entenderam que embora na comunhão parcial, as cotas sociais que já pertenciam a um dos companheiros, anteriormente a união estável, não se comuniquem, deveria haver a partilha da valorização das cotas sociais de empresas, durante o tempo da união estável. Esse entendimento, no entanto, felizmente vem sendo reformado pelo STJ, mas que nem sempre é possível e fácil ter um Recurso Especial admitido nesse tribunal.
– Fique atento ou atenta para que o seu cônjuge ou companheiro ou companheira não transfiram os recursos decorrentes do esforço comum do casal, para uma empresa que seja somente dele ou de terceiro, como forma de evitar a divisão de tais valores no futuro. Caso isso aconteça, é possível requerer a desconsideração da personalidade jurídica, para que o patrimônio transferido seja corretamente partilhado.
– Se o seu cônjuge ou companheiro ou companheira tiver dívidas, melhor optar pela separação convencional de bens, pois os credores dele ou dela tentarão penhorar os bens do casal, e não se surpreenda se eles alegarem que as dívidas foram contraídas em benefício do casal, e vierem atrás dos seus bens particulares.
– Esteja ciente que vender um imóvel particular e investir em ações, fundos, depósitos bancários, a médio ou longo prazo poderá misturar seu patrimônio, pois o ex-amor da sua vida poderá alegar que você herdou “x”, mas que agora seu capital é de “3x” em razão dos rendimentos dos investimentos, e requerer judicialmente a metade desse acréscimo patrimonial. Poderá ainda alegar que ele que fez todo o gerenciamento dos seus recursos financeiros, e que assim o resultado é fruto do seu esforço também, e fazer os pedidos mais absurdos, que serão discutidos em longas e caras ações judiciais.
– Consulte sempre um advogado “antes de fazer qualquer negócio que envolva seu patrimônio particular, e até mesmo com relação ao patrimônio comum do casal. Quando sua cara metade lhe pedir para manter em segredo, especialmente para a sua família ou para as suas pessoas mais próximas, que você irá vender um bem que é só seu, para fazer um outro investimento, seja qual for, desconfie. Poderá haver algo de podre no reino da Dinamarca, e quem está envolvido emocionalmente nem sempre percebe a real intenção.
– Um contrato de união estável ou a escritura pública dessa união estável podem ser muito úteis em caso de separação ou óbito. Não raro a cara metade alega ter sido apenas um namoro qualificado ou, em caso de falecimento, a família do morto ou morta nega a existência da união estável, para ficar com toda a herança e pensão.
Entenda que blindagem total não existe, nem em casamentos pela separação legal, que é sempre possível que ocorra uma longa e cara batalha judicial por partilhas, na qual sejam alegadas muitas inverdades, que podem até mesmo descaracterizar ou invalidar diversos contratos ou escrituras existentes. Assim, quanto mais você puder se proteger durante o casamento ou união estável, melhor. Ame muito, mas cuide do seu patrimônio.