Há duas semanas escrevi um texto sobre minha vida em Cascais. Na crônica “Se essa vila fosse minha” falei um pouco sobre trivialidades do dia a dia e curiosidades sobre algumas pessoas com as quais cruzei nestes últimos anos. Nestes aspectos tenho histórias de sobra: divertidas, curiosas e instigantes. Porém, tudo tem um lado “B” e por aqui não seria diferente. Cascais já não é mais a mesma. Digo eu que me mudei para cá há oito anos, dizem os moradores de uma vida inteira. E não é só Cascais, várias cidades portuguesas, e também em outros lugares do mundo, sofrem as consequências de um turismo desenfreado e da especulação imobiliária que o acompanha.
De uns anos para cá Portugal se destacou no mercado internacional como um país muito interessante para viajar, estudar, viver e investir. O movimento gerado por tanta exposição acabou provocando um enorme desequilíbrio socioeconômico-cultural. O turismo massificado tem tido um impacto devastador sobre a cultura do país, especialmente nas cidades de mais destaque como é o caso de Cascais.
A bucólica vila de pescadores, antigo refúgio de reis e rainhas, com ruas estreitas de pedra e luzes cor âmbar, está sucumbindo à pressão turística e imobiliária. O aumento do custo de vida tem forçado que habitantes locais deixem a cidade e os espaços, ora vivendas e pequenos comércios, que agora são ocupados por empresas e serviços voltados exclusivamente para os turistas. A singularidade está desaparecendo.
As famosas “tascas” já são minoria. Já não há aquele costume de sentar à porta, pouco se vê estendais de roupas coloridas nas janelas e os moradores estão acuados. O que é genuíno perde espaço.
A cidade virou um canteiro de obras. Isso com certeza você não vai ver nas fotografias promocionais: enormes guindastes sinalizam onde surgirão enormes construções. Casas centenárias dão lugar a edifícios com arquitetura questionável. A exploração do setor avança de forma rápida e o custo médio do metro quadrado é caríssimo.
O impulso para a subida dos preços veio, por exemplo, com a política do “Golden Visa”. A residência era automaticamente concedida para quem comprasse imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros. A partir daí, e com a falta de imóveis, tudo passou a valer muitíssimo, mesmo que não valesse de fato. Estrangeiros são os grandes compradores e há ondas de nacionalidades “da vez”. Chineses, americanos, russos, brasileiros. Compraram para morar, para ter uma segunda residência, mas também para investir. Os aluguéis de longo prazo reduziram drasticamente. Os preços dispararam. Houve uma proliferação de alojamentos turísticos. O perfil da cidade mudou e há uma gentrificação acelerada.
O centro histórico está sendo descaracterizado. Ruas que antes eram de paralelepípedo, hoje estão asfaltadas. A cidade não comporta a quantidade de carros e há que enfrentar engarrafamentos a qualquer hora do dia nas ruas estreitas. Na contramão de outras cidades que estimulam ruas peatonais ou o uso de bicicletas, aqui quem ganha espaço são os carros.
Praias apinhadas de gente no verão, escassez de banheiros públicos, ônibus turísticos por todos os lados, filas em restaurantes e supermercados. Trabalhadores cansados e serviços comprometidos. Se você conhece a expressão “morrer de êxito” é muito provável que este seja o destino de Cascais, caso nada seja feito. Em proporções ainda maiores, é o caminho que Lisboa também está percorrendo.
Dados do Turismo de Portugal apontam que, em 2023, o país recebeu 30 milhões de turistas e 25 bilhões de euros de receita provenientes da atividade turística. Valores significativos e muito importantes para a economia, porém há questões fundamentais que precisam de respostas: o turismo está deixando de ser solução para ser um problema? Como evitar um colapso? Governo, setor público e privado estão em comum acordo? Os turistas são orientados para entenderem as peculiaridades sociais da cidade? A população está a ser ouvida?
O turismo sustentável é definido pela Organização Mundial do Turismo como aquele que relaciona de forma equilibrada as necessidades dos turistas com a indústria e com o respeito à cultura e ao meio ambiente. Se esse equilíbrio não é respeitado, o destino deixa de ser interessante e o declínio da atividade deixa marcas.
Terminando o meu desabafo em forma de crônica me deparo com a seguinte manchete no jornal local: “homens encapuzados roubam relógio de 100 mil euros na praia do Guincho e fogem em Mercedes para Cascais.”
Tudo por aqui está superlativo, inclusive os bandidos. Sim, a criminalidade começa a ganhar destaque.
Com esse texto, acabo de enterrar qualquer possibilidade de financiamento do roteiro para o “Woody Allen”.
Foto da Capa: Divulgação
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