A definição de refugiado é: toda pessoa que, em razão de fundamentos de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido à grave e generalizada violação dos direitos humanos e conflitos armados, e está fora de seu país.
Podemos adaptar esta definição aos catadores e catadoras de materiais recicláveis de Porto Alegre, que sofrem perseguição e violação de direitos há décadas. Vale lembrar aqui a Lei Municipal 10.531, de setembro de 2008, do então vereador Sebastião Melo, que instituiu o Programa de Redução Gradativa do número de veículos de tração animal e de tração humana. Uma lei que a cada dois anos é prorrogada. A falta de investimentos e contratos dignos para quem trabalha em regime associativo/cooperativo nas Unidades de Triagem são exemplos de um processo excludente e de violação de direitos. No Programa Todos Somos Porto Alegre, foi criado um cadastro de catadores autônomos, com a garantia da entrega de seu veículo ou carrinho, onde participariam de cursos de capacitação e ingresso no mercado de trabalho. Muitos foram os que realizaram os cursos, mas poucos os que conseguiram ingressar no mercado de trabalho formal. Destes, a maioria, após três ou seis meses, foi demitida e retornou para o trabalho com recicláveis nas ruas, local onde realmente preferem exercer este trabalho, o que também é um direito.
Nos dias 23 e 24 de janeiro de 2025, na sede da Unisinos em Porto Alegre, ocorreu a 7ª Conferência Municipal do Meio Ambiente, onde a exclusão se mostrou de forma límpida e transparente, sem nenhum pudor ou constrangimento. Na calçada, sob o sol, com uma sensação térmica acima dos 36° graus, um grupo de catadores, tanto formalizados como não, se manifestava. De forma ordeira, se uniam contra a Parceria Público-Privada (PPP) do Gerenciamento dos Resíduos da cidade por 35 anos, e a favor do direito ao trabalho, sob a atenção de um número expressivo de brigadianos. Não obstante, o grupo tinha a expectativa de que o prefeito Sebastião Melo (o homem do chapéu de palha, chinelão do povo, eleito com 60% dos votos válidos) participasse da abertura da Conferência e que assim pudessem entregar um documento com suas reivindicações e solicitar uma audiência.
Desde que a Prefeitura se retirou das sessões de mediação, em 19/11/24, realizadas para negociações de um novo contrato e das tratativas da PPP do Gerenciamento dos Resíduos, intermediadas pelo ministro Alberto Bastos Balazeiro, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), coordenador do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro, os representantes do Fórum de Catadores das Unidades de Triagem e do Movimento Nacional dos Catadores passaram a participar de um Grupo de Trabalho com representantes do MP, Defensoria Pública e MPT e Prefeitura para continuar as negociações. Porém, a última reunião, prevista para 09 de janeiro de 2025, foi cancelada sem uma previsão de nova data, e muitos assuntos são de urgência para os catadores e catadoras. Mediante essa incerteza, o Fórum de Catadores das Unidades de Triagem e o Movimento Nacional dos Catadores enviaram diversos ofícios ao Gabinete do Prefeito, SMDS – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, entre outros, solicitando a agenda com o prefeito, sem nenhum retorno. Assim, percebiam na Conferência uma oportunidade de conseguir essa agenda, através de contato com o secretário Germano Bremm. No entanto, foram impedidos de acessar o auditório do evento sob a alegação de que não estavam inscritos e pela capacidade limitada do local. O fato é que só a metade dos inscritos compareceu, havendo espaço para os catadores. Mesmo assim, não puderam entrar e se manifestar, faltando sensibilidade e respeito com pessoas que, após uma exaustiva jornada de trabalho, ainda procuravam forças para reivindicar direitos.
Dois representantes previamente inscritos, e que estavam na cerimônia de abertura, “quebraram o protocolo”, fizeram uso da palavra e entregaram ao secretário o documento e a solicitação de agenda com o prefeito. Na ocasião, expuseram aos presentes a sua situação. Engana-se quem pensa que o descaso cessou: o secretário, após sua participação, se retirou sem levar o documento! As propostas encaminhadas por representantes dos catadores nos diversos eixos sucumbiram e somente uma foi aceita e aprovada. Porém, ainda assim, conseguiram eleger dois delegados para a Conferência Estadual, que acontecerá no mês de março agora.
O retorno de um dos tantos e-mails enviados à SMDS foi respondido, agendando uma reunião para o dia 30 de janeiro, uma quinta-feira, com o secretário Juliano Passini. Porém, um dia antes, a reunião foi cancelada.
Gestões ao redor do mundo estão revendo estes processos de PPPs. Temos a oportunidade de Porto Alegre manter o Gerenciamento dos Resíduos sob a tutela do município. Temos o DMLU (Departamento Municipal de Limpeza Urbana), com a expertise de 34 anos na Coleta Seletiva e pessoas extremamente competentes. O Departamento, que já teve status de autarquia, está com o quadro reduzido de servidores, sucateado também física e tecnologicamente, acoplado à SMDS.
A consulta pública para envio de sugestões e críticas, por meio virtual, sobre a PPP do Gerenciamento dos Resíduos foi prorrogada até 21/02. Mas isso pouco ou nada resolve, já que a sociedade civil tem pouca informação sobre todo o contexto dos catadores ou sobre o gerenciamento. A consulta não foi amplamente divulgada na mídia e, hoje, se resume a um pequeno grupo de pessoas que participa.
Existe uma necessidade urgente de cessar essa PPP, não se sustenta juridicamente! Precisamos do apoio da OAB e de advogados que militem na causa ambiental e que ingressem na justiça contra esta cessão.
Diante de todo esse relato, o título deste artigo se mostra cada vez mais pertinente. Trata-se de um grupo social extremamente vulnerável, perseguido e injustiçado, que está à beira da exclusão do seu processo de trabalho, que não tem “Plano B” e que ficará cada vez mais marginalizado. Não temos como discutir Educação Ambiental num sentido amplo sem a participação de catadores(as), pois são os atores sociais desta cadeia que mais dominam esta pauta.
Um jogo de difícil equilíbrio, que carece de uma discussão ampla e democrática com a sociedade, governo e os catadores(as). Precisamos de ações que vislumbrem um futuro digno para essa classe de trabalhadores e trabalhadoras. E que fique claro, não estamos falando de um número ‘x’ de pessoas, que diariamente tiram seu sustento dos resíduos. Existem famílias por trás de cada um desses pais, filhos, avós, núcleos que dependem desta renda para seu sustento.
Verifica-se a necessidade de políticas públicas permanentes, como o Auxílio Reciclagem, para garantir a segurança alimentar desse grupo, parte fundamental da engrenagem da reciclagem.
Garantir o direito ao trabalho e à remuneração digna são ações fundamentais. Devemos, urgentemente, trocar a implementação desta PPP por uma Política Pública Social com gestão participativa dos catadores e aliada a uma eficaz Educação Ambiental.
Ao contrário disso, consolidaremos a situação dos “Refugiados Catadores de Material Reciclável”, que não têm perspectiva de futuro e nem sabem onde encontraram exílio!
Prefeito Sebastião Melo, o senhor que se diz o Prefeito de Todos, receba os catadores e revogue a PPP! Coloque sua assessoria para participar das discussões promovidas pelo Spin Resíduos do Coletivo Poa Inquieta, para que Porto Alegre caminhe, verdadeiramente, para se tornar uma cidade inclusiva e sustentável.
Simone Pinheiro é assessora técnica de Associações e Cooperativas de Unidades de Triagem, assistente social, mestre em Ciências Sociais e articuladora do POA Inquieta
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