Nunca se viveu um tempo de tanta liberdade como este que estamos vivendo. E, com certeza por isso mesmo, nunca se temeu tanto a perda dessa liberdade. Pensando nisso, fui reler frases de acadêmicos, filósofos, políticos sobre liberdade. Todo mundo tem uma frase, uma definição desse direito fundamental.
Já que estamos em pleno debate da regulamentação das redes sociais, fico com essa declaração do democrata Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos de 1933 a 1945 que, creio, pode funcionar como um recado aos que se opõem à instituição de regras para grande rede. Disse o FDR:
A primeira verdade é que a liberdade de uma democracia não está salva se as pessoas toleram o crescimento do poder em mãos privadas até o ponto de se converter em algo mais forte que o próprio estado democrático.
Parece que foi ontem que o Roosevelt disse isso, não? Afinal, essa é a essência do que se debate, hoje, na Câmara dos Deputados, onde tramita o Projeto de Lei 2630/2020 que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência da Internet, apelidado de PL das Fake News. Até onde vai o poder das gestoras de redes sociais? E como estabelecer regras para o poder privado, que já preocupava Roosevelt lá nos idos da primeira metade do século passado?
As empresas donas das redes sociais estão em todas. E, para o bem e para o mal, já com muito poder. Afinal, tudo começa na Internet. O aliciamento do jogador, vulnerável diante da oferta de uma grana maior do que tudo que ele ganharia durante o contrato inteiro, só pra dar um bico na bola e receber cartão amarelo antes dos 15 minutos de jogo, começa nas redes.
O convencimento da mulher fragilizada a entregar o filho de dois anos a um estranho começa num grupo criado nas redes para, supostamente, apoiar mães em situação de vulnerabilidade.
É claro. A mesma plataforma que facilita o crime leva ao criminoso. Cartões frios de vacina são encomendados em diálogos na grande rede. Aí, o celular é confiscado e a rede vira ajudante da polícia mostrando todas as conversas… O mesmo celular mostra indícios de que despesas da ex-primeira dama foram pagas com dinheiro de terceiros, que ela usava o cartão de crédito de uma amiga e, talvez mais grave, expõe a preocupação do ex-ajudante de ordens do ex-presidente de que a dona Michele venha a ser investigada pelo mesmo malfeito do enteado Carlos Bolsonaro, a prática da rachadinha…
O incentivo à violência, à pornografia infantil, à chantagem, à desinformação, as fake news, tudo tem espaço à vontade nas plataformas das big techs. O ataque às sedes dos Poderes no dia 8 de janeiro foi articulado nas redes…A manipulação, o uso de material jornalístico, de artigos acadêmicos, ao bel prazer do dono da plataforma, o impulsionamento pago de produções de terceiros sem que os autores nem mesmo tenha conhecimento disso, tudo é feito – hoje – sem nenhuma regulação.
O que o PL 2630/2020 pretende é isso, responsabilizar os responsáveis por espaços de onde brotam incentivos a ilicitudes, mensagens de ódio, armações de golpes de estado e crimes contra crianças e adolescentes. Não vejo nisso, nenhum risco de atentado contra a liberdade de expressão. Aliás, em nome dela e sob pressão de grupos evangélicos, o relator do PL, deputado Orlando Silva (PCdoB/SP), deixa clara a liberdade de expressão de todas as denominações religiosas.
E, afinal, confundir combate ao crime com censura é coisa de quem não quer assumir responsabilidades, não? Termino com a frase de Lord Acton, historiador britânico do século 19, que também soa como um recado bem atual pra que este Brasil busque se manter no bom caminho:
Liberdade não é ter o poder de fazer o que queres, mas a habilidade de fazer o que deves fazer.
Foto da Capa: Racy Le Blac / Pexels