Certa feita, olhando o pôr do sol, me peguei pensando: na velocidade e direção corretas, será sempre entardecer. Na verdade, prefiro a alvorada, mas aí teria de caminhar pra trás, deixando o impossível ainda mais difícil de fazer. Podia flutuar. Pairar, deixando a Terra rotar sob meu corpo. Bem mais plausível. Confesso, não tentei; mas devaneios que a natureza me alimenta à parte, me diverti percebendo que tudo se move e que isso poderia dar um bom começo de artigo.
O “caminhar” do universo é inevitável e conhecido há séculos. Até antes de os séculos existirem, na verdade. A teoria aprimorou-se, claro. Esse deslocamento é o que, de forma geral, chamamos de tempo. Usamos nosso carbono enquanto o planeta em que estamos faz sua translação e rotação ao redor de um astro que faz sua translação e rotação em uma galáxia e assim por diante. As formas eventualmente mudam, mas o movimento é certo.
O que é a música a não ser uma combinação de sons e silêncio entre o aqui e o logo ali, alguns minutos depois? O movimento dividido em tempos, ritmados pelo espaço. A “idade” é o tempo do atrito, gasto do contato dos nossos átomos com o ar, enquanto tudo vai. As “batidas” do coração, bombeando à medida que a terra avança em todas as direções ao mesmo tempo e a pele se desfaz. Agora, quando uma alteração é consequência do movimento, será ela, mesmo, uma mudança ou só a ação do tempo?
Ninguém toma banho no mesmo rio duas vezes porque o rio se mexe, já serão outras águas. Agora, não tenho nenhuma certeza de que a pessoa que mergulha nesse rio que mudou seja outra. Mudar é um verbo de ação. São as escolhas dos seres vivos a origem da mudança, mesmo que não conscientes e demoradas. Uma folha que se transforma, um animal que se adapta. Motivações inconscientes, conscientes, naturais, forçadas, instintivas, calculadas. Talvez uma infinidade de possibilidades, mas todas iniciadas. Todas dentro do tempo, que já estava onde quer que a mudança ocorra.
O impacto da palavra determina a relação do humano com o mundo, por isso, inclusive, a importância dada ao silêncio. Por mais que seja preciosismo semântico, ser responsável pelas próprias ações e, por consequência, mudanças está em falta há tempos. Existe um hábito de terceirizar as responsabilidades. Primeiro por falta de conhecimento, hoje, por comodidade. A consciência do ser humano pode tornar a mudança próxima do inevitável para ele, a atenção é para a clareza de que ela acontece a partir das nossas forças, não do passar do tempo.
Quantas pessoas conhecemos passam por muito, têm a chance, mas … “não mudam”? Ouvi de um pensador uma fala específica sobre a meditação vendida ao Ocidente, algo como esse hábito sendo a angustiante busca pelo fim da busca. Temos uma técnica nova, mais conhecimento, mas o problema segue o mesmo. Avançamos, aprendemos, acumulamos, trocamos, mas não necessariamente mudamos. E, na verdade, mudar não é uma necessidade natural. O corpo de uma libélula é o mesmo há mais de 300 milhões de anos, considerado a beira da perfeição da natureza. Mas, como se fosse uma Lei, a mudança é vendida como inevitável, sempre a melhor desculpa para não nos responsabilizarmos pelo que causamos, afinal, tudo muda.
Vejo essa lógica da fuga aplicada à chamada crise climática. Sejamos francos, esse problema não existe, o clima está aí e seguirá. O que temos é uma crise de comportamento, onde o humano não é capaz de manter um ecossistema em condições básicas para que ele mesmo possa sobreviver. Mas a crise é climática, não cultural, não minha. O hábito de tirar a responsabilidade do nosso colo nos trouxe até aqui, e não será o tempo sozinho que vai nos ajudar.
É de surpresas que a mudança e o movimento nos abastecem, mas cada um tem seu papel. A vida por si já é misteriosa e incerta, e controlar o que está ao nosso alcance é o mínimo, é deixar espaço aberto para que as verdadeiras maravilhas possam ser vividas. Estarmos inócuos nos deixa à mercê das escolhas dos outros, mas não nos inocenta do que poderíamos ter mudado. Amanhã o sol vai nascer de um lado e se pôr de outro, quem vai mudar isso? Pra quê?
Aceitar o movimento e participar da mudança é o que desejo, de hoje em diante, a todos!
André Furtado é, por origem, jornalista; por prática, comunicador, de várias formas e meios. Na vida, curioso; nos Irmãos Rocha!, guitarrista. No POA Inquieta, articulador do Spin Música.
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Foto da Capa: Acervo do Autor