A humanidade pertence aos humanos e a robótica aos robôs. Por certo, humanos e robôs interagem, mas são como água e óleo, se misturam e em seguida se distinguem e preservam características únicas. Os humanos sentem e criticam subjetivamente e os robôs computam e aprendem matematicamente. Aconteceu de os humanos mecanizarem o trabalho, as relações, os amores, como quem se protege do sentir. Os robôs não vão substituir a humanidade, mas podem ajudá-la a se tornar quem é: mais sensível e menos mecânica.
Essa reflexão vem das minhas experiências recentes com o Bard da Google, um robô de inteligência artificial desenvolvido para concorrer com o Chat GPT. Por estar associado às indexações do buscador da Google, a expectativa era de que ele pudesse, em pouco tempo, deixar qualquer IA de geração automatizada de linguagem textual a léguas de distância. Porém, o Chat GPT segue firme e forte.
Na versão aberta, o Chat GPT tem uma limitação importante: as respostas e os textos produzidos por ele são construídas a partir de um banco de informações armazenadas até 2021. Há uma expectativa de atualização da programação, porém a inteligência artificial só funciona para explicações, contextos e levantamentos de dados históricos. Acredito que os estudantes de Ensino Médio devem estar utilizando para facilitar os trabalhos escolares e estudos para provas.
Mas o fato é que o Chat GPT é extremamente eficiente ao que se propõe. No caso de não possuir informações atualizadas, humildemente ele explica a situação, aponta as fraquezas e responde o possível. Eu já escrevi sobre a humildade empática do Chat GPT capaz de pedir desculpas quando não souber a resposta.
O Bard não. Apesar de ter sido anunciado como um experimento, ainda em desenvolvimento pela Google, o Bard teve o nome escolhido em homenagem aos contadores de histórias profissionais na cultura celta. Os bardos eram responsáveis por transmitir a história, a cultura e as tradições de seu povo por meio de palavras, música e poesia. “Assim como os bardos, sou um modelo de linguagem treinado para gerar texto, traduzir idiomas, escrever diferentes tipos de conteúdo criativo e responder às suas perguntas de forma informativa”.
A informação mais atualizada, por sinal, foi o atributo mais festejado com a chegada do Bard: as respostas conseguem rastrear arquivos indexados pelo buscador Google em tempo real. Porém, entretanto, contudo, a inteligência artificial não consegue contar histórias da atualidade. Fiz o teste e perguntei sobre uma notícia da semana e sobre uma cobertura noticiosa do começo do ano.
Para a notícia da semana questionei sobre a morte do menino Thiago de Menezes no Rio de Janeiro. A foto que percorreu as mídias sociais e os sites de notícias de adolescentes chorando no velório é o retrato do horror diante dor do outro. A fotógrafa Selma Souza não precisou registrar o caixão da vítima de 13 anos para congelar a cobertura em um momento decisivo, como ensinou fotógrafo francês Cartier-Bresson. A comoção das lágrimas dos amigos transmite a história daquela realidade e todo sofrimento no entorno. Selma é uma contadora de história profissional. O Bard não capturou a dor, o contexto, a emoção. Não rastreou nem mesmo a história da semana. A resposta do robô foi “Não tenho informações suficientes sobre essa pessoa para responder. Os textos que eu crio imitam a comunicação de vocês, humanos, em resposta a uma variedade de perguntas e comandos, já que sou um modelo de linguagem de grande escala. Porém, ainda não sei muito sobre essa pessoa.”

A cobertura noticiosa sobre a qual questionei o Bard foi o 8 de janeiro em Brasília. Para esta resposta, o Bard foi mais eficiente. O chatbot respondeu que “em 8 de janeiro de 2023, uma multidão de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiu e vandalizou o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal em Brasília, capital do Brasil. Os ataques foram desencadeados pelas alegações de Bolsonaro de que as eleições de 2022 foram fraudadas. Os manifestantes também gritaram slogans contra o Supremo Tribunal Federal e a democracia brasileira.”. Não foram atribuídas fontes para a informação, mas o Bard tem ao final de cada resposta o botão “Pesquisar no Google” e então é possível verificar as primeiras fontes mais relevantes para o buscador: GZH, O Globo e Estadão.
O Bard escreveu uma síntese da informação sobre o acontecimento político do começo do ano. Texto coeso, direto, claro. O estilo informativo ao qual se propôs foi mantido. Porém, não há exatamente uma contação de história: personagens, enredo, emoção. Os atributos de uma narrativa tocante e sensibilizadora não são expressos pelo robô em palavras. Isso porque o robô não poderá ser o que não é: humano.
Enquanto isso uma imagem demasiadamente sensível, como a do choro adolescente, torna-se eloquente ao provocar o sentir, o sofrer, o revoltar. É apenas uma imagem e nela cabem muito mais do que mil palavras.