Hoje inicio esta coluna com uma mistura de sentimentos permeada por pequenas realizações pessoais e pelos gigantescos desafios planetários. Cá estou, entre o cotidiano de um cidadão e um planeta em guerra. Longe de ser pessimista, a realidade se impõe sobre nós, cidadãs e cidadãos, humanos e não humanos e em todas as escalas, do local ao global. O planeta está derretendo em guerras sob todas as formas. As guerras são verbais, corporais e estruturais. Nosso corpo no dia a dia pode sentir os efeitos desiguais de uma cidade desigual. Inspirado no geógrafo Harvey, também quero exercer meu direito pleno à cidade. Quero exercer meu direito às áreas saudáveis, verdes, azuis e lilases. Quero água potável em cada quarteirão e em cada parque público. Desejo um bicicletário em todos os ambientes públicos. Desejo um banheiro público limpo e digno. Sim, os espaços públicos são nossos. E que tal sonhar em nadar em águas limpas no Guaíba?
Aliás, amanhã completo mais um ciclo em torno da minúscula estrela do nosso sistema solar. Reflito sobre meus possíveis papéis nesse microscópico planeta. Vem em minha mente uma reflexão da socióloga Levitas que afirma: uma vida digna começa necessariamente com um sonho, mas se materializa na ação crítica. Sem entrar em uma discussão sociológica profunda, penso em quais ações posso exercitar de modo crítico e consciente no meu cotidiano para conduzir esse mundo minimamente mais justo e mais digno.
Observo os espaços onde vivo, as pessoas por onde me desloco, as presenças e ausências das pessoas. As prosas com novos conhecidos. Hoje contemplo os pássaros da minha janela. Sou um privilegiado por poder escutar os cantos matinais antes dos sons dos pneus já quentes, atritando o asfalto logo cedo. Sim, atualmente vivo na cidade. Estou urbano, mas não urbanizado. O aumento do concreto me incomoda. E isso também me faz pensar nos meus papéis sociais e políticos no mundo.
Abro aqui um parêntese: após uma semana intensa de reflexões, ações domésticas, intervenções no mundo político e algumas boas xícaras de cafés, recebi o gentil convite de integrar o time de colunistas nesse espaço digital. Gratidão à Sílvia Marcuzzo e ao Luiz Fernando pelo convite. Vale ressaltar que semana passada estive presente — Sílvia também esteve no evento — nas discussões da Conferência de Avaliação do Plano Diretor de Porto Alegre (PDDUA-POA) que ocorreram entre os dias 07 e 09 de março de 2023. Os resultados com algumas das minhas reflexões podem ser vistos aqui. Parêntese fechado.
Essa semana, com vários pensamentos borbulhando, inclusive o resultado parcial do PDDUA-POA, concluo que mais do que ações cotidianas é preciso exercer uma arte. A arte da cidadania urbana. Para mim é uma reafirmação. Afinal, sou cidadão e me sinto cidadão do local onde habito. Cidadão urbano, mas com uma alma florestal.
Após uma longa semana discutindo sobre políticas urbanas e florestais — de moradia social para pessoas em situação de rua até as propostas para uma política sobre mudanças climáticas no nível local — meus papéis no mundo estão mais nítidos e mais amplos.
Definitivamente, exercer a cidadania é um ato diário. E para exercitar essa arte é preciso ter coragem para reconhecer que vivemos tempos apocalípticos. A cidadania se faz no dia a dia, no cotidiano e nos pequenos gestos, mas não qualquer fala nem qualquer ato. É preciso exercitar o estranhamento às atitudes toscas que estão normalizadas dentro do nosso imaginário, dentro das nossas mentes e nem reparamos. É crucial reconhecer que algo está errado, quadrilateralmente errado. Se o planeta é redondo, alguns querem impor uma visão de mundo quadrada, patriarcal, opressora e antidemocrática. Não dá mais para aceitar esse tipo de sociedade com esse tipo de relação anti-humana. É preciso colocar a dignidade no centro das discussões e em cada fala e ato.
Meu desejo de aniversário é que cada uma e cada um, humano e demais formas de vida, possa ter a escolha. A escolha de decidir seu modo de vida digno sem que para isso seja necessário violentar física ou simbolicamente o outro. E, parafraseando o filósofo Ricoeur, é crucial vivermos em um mundo de estruturas sociais justas e dignas para todas e todos. Mas é preciso dizer que as estruturas sociais não mudam sozinhas. É preciso agir. É necessária uma ação no mundo consciente. Como diria o saudoso pensador Belchior, “a minha alucinação é suportar o dia a dia e meu delírio é a experiência com coisas reais [pois ao fim e ao cabo] amar e mudar as coisas me interessa mais”.
P.S.: Como cidadão, ativista e gestor socioambiental, sociólogo e pesquisador de políticas de mudanças climáticas, fica uma dica para exercitar a cidadania ativamente: o por vir Plano de Ação Climática de Porto Alegre que tem como uma das premissas a participação das cidadãs e cidadãos na elaboração e definição que cidade desejamos habitar e como queremos conviver entre nós. Veja mais aqui. Vamos demandar para que se inicie de fato em 2023 com nossa participação cidadã.