Reproduzo aqui a segunda parte do depoimento que fiz na Conferência de Avaliação do Plano Diretor de Porto Alegre, realizada no Salão de Atos da PUCRS, no dia 7 de março. A primeira parte o leitor encontra aqui.
Em Porto Alegre, o Plano Diretor favorece o aprofundamento dessa divisão [entre classes da sociedade cindida, como foi apontado na coluna anterior]. De um lado os condomínios fechados, shoppings em sua maioria cercados e isolados das calçadas, farmácias e lojas rodeadas de carros. Calçadas que se transformam a cada dia em acostamentos para as pistas de automóveis. Do outro lado, a não cidade, a periferia que constitui tudo o que não são as ilhas dos privilegiados. Até nosso Parque da Redenção corre o risco de virar uma ilha privada assim como já o é o Cais Mauá.
Vou dar um exemplo do que estou falando. Visualizem, por um momento, a praia do Cristal. Em vez de, de um lado, uma calçada com comércio, restaurantes e moradias e do outro um calçadão como qualquer praia urbana do mundo, o que temos? Um corredor viário entre duas cercas. Isso é resultado de um Plano Diretor que, de um lado deixou que a orla fosse privatizada e de outro que fosse ocupada por um shopping rodoviário e um condomínio fechado. O que temos ali é cidade ou território? Para mim é território ou, se preferirem, periferia.
A essência da revisão do Plano Diretor não deveria ser técnica, mas cultural. A técnica vai nos ajudar a construir a cidade que queremos. Hoje, Porto Alegre está planejada para abrigar 8 milhões de habitantes. Faz sentido? Conforme as projeções, mal e mal chegaremos a 1,5 milhão.
Para essa cidade real, eu gostaria que fosse feita uma revisão dos princípios modernistas da cidade rodoviária voltada para os carros que ainda estão embutidos no nosso plano diretor. É só olhar para a ausência de reformulações no plano viário traçado em 1959 para entender do que estou falando. A cidade pedestre, que é a que eu almejo, não pode ser constituída sem que se reforme a cidade rodoviária. É preciso redesenhá-la.
Trago então algumas sugestões que considero importantes para serem incluídas na revisão de seu plano diretor. Vão no sentido de um redesenho para que nos faça encontrar nela a vivência de cidade e não de um território amorfo, periférico e irrelevante.
- rever a proposta de densidade de cada bairro, e por consequência seus índices construtivos, levando-se em consideração que não há perspectiva de crescimento populacional no horizonte. Hoje, há uma previsão impossível de ser atingida em seu todo;
- não aprovar condomínios horizontais com mais de 30m de testada para logradouros públicos se os mesmos não tiverem fachadas ativas composta por bares, restaurantes, lojas, comércio, serviço e lazer para os cidadãos;
- criar incentivos para transformação dos atuais condomínios nos mesmos padrões dos do item anterior;
- incentivo para transformação dos parques de estacionamento em volta dos shoppings em áreas de convívio sem a separação entre áreas públicas e privadas;
- redesenho dos gabaritos de ruas e avenidas, com ênfase em atividades pedestres, de lazer e ambientais;
- estudo de apropriação pública dos recuos viários gravados e não aproveitados para a finalidade original – tráfego – para uso nos moldes do item anterior;
- considerar toda vaga de estacionamento acima do solo no índice de aproveitamento do terreno;
- delegar ao EPAHC/COMPAHC atribuição para definir regimes diferenciados de altura máxima das edificações por bairros e para a cidade como um todo com o especial cuidado para a preservação de volumetria harmônica e compatível com a topografia da cidade, respeitando a evidência de seus morros e espigões;
- elaborar e oferecer aos incorporadores projetos volumétricos singulares que, em bairros históricos, “costurem” a diversidade tipológica de quarteirões que vivenciaram diferentes legislações nos últimos 70 anos;
- revogar imediatamente a isenção de limite de altura no 4º Distrito e Centro Histórico em favor da proposta do item anterior;
- rebaixar o Trensurb no centro da cidade e elaborar projeto único em operação concertada para os dois lados da avenida Mauá;
- transferir a responsabilidade urbanística do Cais Mauá para a prefeitura de Porto Alegre. O cais no meu entender deve ser integrado às áreas públicas do Centro Histórico.
Foto da Capa: Rovena Rosa/Agência Brasil