Somos brasileiros, mas quem mora na pontinha sul do país entende espanhol, ou, no mínimo, tem facilidade para aprender o idioma. Somos também gaudérios, uma mistura de espanhol com indígena, mais comum no Uruguai e na Argentina do que propriamente no Brasil.
Montevidéu tem no ar o cheiro da rambla, que costeia o Rio da Prata, edifícios esculturais da era vitoriana, ruas, túneis, com os seus plátanos de folhas douradas, mutados para o tom laranja-avermelhado, tapete de folhas outonais, e o Peñarol, claro!
Nós, os gaúchos, temos o hábito de fugir pra lá todos os anos. Uma espécie de visita familiar, onde a comida servida tem o cheiro da infância e arde no fogo das parrilhas.
A partir de abril, sempre abril… tem que ser a partir de abril. Manhãs e noites geladas aquecem o coração de quem gosta de frio. Quem nasce por aqui gosta, uma opção que fizemos já na infância.
Talvez, antes mesmo do nosso nascimento, quem sabe, o gosto pela geleira tenha vindo no pacote de nosso DNA, não sei.
E tem uma brisa, que pode ser também um vento, muito forte, que todo o gaúcho adora sentir na alma. Uma espécie de sensação Bibiana. O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, é próprio da nossa gente, que nos acompanha por onde quer que se vá.
É quando o vento canta, ah, e quando o vento canta cortante por aqui, nos pampas, o tempo não passa. Instante que nos acalma e nos fortalece naquilo que somos.
Então, Montevidéu jamais foi uma incógnita para mim, sempre a compreendi entre os nossos pampas e os nossos detalhes gaudérios, logo, o amor pela cidade veio naturalmente. Estou em casa quando chego lá.
A gente daqui, acredito, nunca sabe que lado está. Mas, uma coisa é certa, aqui, ou do outro lado, somos hermanos.
Essa é a minha Montevidéu, a cidade que vejo, a que sinto, a que amo, cada vez que atravesso a fronteira entre os dois países, e chego na capital desse pequeno-grande país, que hoje conta com 3,423 milhões de habitantes, um terço da população do Rio Grande do Sul.
Cidades são invisíveis, cada visitante vive as suas impressões, as suas emoções, as suas memórias e vive o seu tempo no tempo certo.
Uma cidade nunca é a mesma para duas pessoas. Cidades são únicas, subjetivas, reflexivas e de uma complexidade inesgotável. Por isso, as considero invisíveis, em branco, quase um sonho até chegar no meu destino.
Nunca pergunto sobre uma cidade antes de visitá-la. Prefiro chegar à cidade sem qualquer outra impressão.
Tudo porque acredito que somos nós que as criamos, as cidades, e certamente só conseguimos mesmo tocá-las a partir da nossa subjetividade. A cada passo, a cada rua, a cada bairro que visitamos, poco a poco – como se diz por lá -, vamos compondo a nossa cidade, única, verdadeira e real.
As cidades invisíveis restam concretas, reais, palpáveis, a partir de nossas memórias, e nascem para cada visitante a cada rua, a cada esquina, rua, café, restaurante, museu ou teatro descoberto.
Maeve Phaira é natural de Porto Alegre, pesquisadora, jornalista e advogada. Autora de Berlim em Chamas, Nenhum Hectare foi Devassado – Salve a Amazônia- e Cidade sem Mar (raizelferreira@yahoo.com.br).
Foto da Capa: Wikimedia Commons
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