Fiquei muito assustado quando soube do projeto de um grande letreiro que querem colocar no Morro da Polícia para que não nos esqueçamos, dia e noite, que moramos em Porto Alegre. Ainda mais por ter lido a respeito um pouco depois de ter escrito a coluna As Cidades Também Podem Ter Alzheimer. Eu acho a ideia de mau gosto, mas quem sabe já é necessária por causa da nossa perda de identidade. Já pensaram? A gente pedindo, em inglês, uma informação pensando que estamos no exterior? Vexame!
Sim, uma hora a obstinação do prefeito e do mercado imobiliário em transformar nossa cidade em outra coisa que não ela mesma vai se concretizar. Há uma insistência muito grande em copiar modelos de centros mundiais do capitalismo. A ambição é ganhar cara de Dubai ou, li outro dia, espantado, Hong Kong! Grandes edifícios com luzes piscando como monitores de TV numa excitação feérica onde só o consumo importa. Consumo do quê? Não importa.
A nova onda aspira internacionalizar Porto Alegre. Tem aí uma ideia provinciana de imitação do que está sendo feito em lugares de grande circulação de capital. Só que esse capital não circula por aqui e não vai circular. Não teremos aqui edifícios icônicos sede de grandes corporações ou bancos. Da promessa de arquitetura de alta qualidade, a nossa realidade é o triste resultado que se vê nas fachadas da Leroy Merlin do Pontal. Inserida a meio caminho de joias arquitetônicas como a Fundação Iberê Camargo e o Jockey Club, essa empresa não tem vergonha de se apresentar com cara de loja suburbana? Como podem ter nos enganado tanto?
Saudades do tempo que eu tinha que gastar letras defendendo que não éramos uma São Paulo, que a verticalização deles não tinha nada a ver com nossas tradições de uma cidade mais baixa, mais compacta, com alturas adequadas à nossa situação geográfica. Que a inserção de espigões destruiria a harmonia dos bairros tradicionais, onde reinava a convivência pacífica de casas e pequenos edifícios. E ainda tinha a vantagem econômica, já que a particularidade do nosso mercado, muito mais artesanal até então, barrava a entrada do capital nacional que reproduzia, Brasil afora, o mesmo modelo de edifício. Infelizmente, as regras foram mudadas em 1999 para atendê-los. Mas não por muito tempo! Cidadãos indignados conseguiram, pelo menos em parte, reverter e manter características que nos diferenciam do modelo paulista de fazer cidade que se vê no país todo. Vencida essa batalha, mesmo tendo entregado os anéis, como as Áreas de Interesse Cultural, agora vem outra, muito pior. Silenciosamente, já não existe limite de altura para edifícios a serem construídos no Centro Histórico e no Quarto Distrito, ambos lugares tradicionais da cidade. Por que não fazem isso no Sarandi em torno da FIERGS? Faria todo sentido, desde que planejado e acessível por transporte público de qualidade. Adianto que não sei responder a essa pergunta.
Já escrevi aqui outro dia que os bairros mais densos de nossa cidade são o Bom Fim e a Cidade Baixa e não os bairros pontuados de espigões como o Bela Vista. Pois acrescento, que o quinto da lista é o bairro Bom Jesus. Sim, esse bairro que não tem nenhum edifício em altura é um dos mais densos da cidade. Só esse dado deveria ser argumento suficiente para mostrar que a associação entre densidade e verticalidade é falsa, ou, em bom português, uma fake news.
Densidade urbana tem a ver com renda, com o tamanho da moradia que cada classe social pode pagar. Grandes edifícios com grandes apartamentos não aumentam a densidade e não substituem o espraiamento da mancha urbana. Essa segue firme e forte com a produção de pequenos lotes para a gente pobre ou grandes lotes em condomínios fechados para gente muito rica. Dizer que verticalizar é condição para conter o espraiamento da cidade é uma inverdade que vem sendo repetida irresponsavelmente. Ignorância ou má fé?
Por que não voltamos a fazer o que sabíamos fazer tão bem? Basta olhar para o cuidado que essa cidade teve para se remodelar do cais do porto à Praça da Matriz, para construir o viaduto Otávio Rocha, a Redenção, a hidráulica do Moinhos de Vento, o finado Morro Ricaldone, a escadaria da rua Guararapes e tantos outros lugares preciosos que só descobri ao trabalhar com a equipe do EPAHC (Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural) em busca dos lugares de interesse cultural da cidade.
Por que Porto Alegre não pode ter cara de Porto Alegre para que não seja preciso escrever seu nome num morro como se fosse aeroporto? Ela ainda tem personalidade e é tão bonita!