Como desenhamos e construímos nossas cidades? Sob o princípio do bem-estar dos cidadãos ou apenas sob a lógica do mercado? A partir de ambientes naturais, vivos, atraentes e inclusivos, que estimulam os sentidos e a respiração, alargam o olhar ou a partir de grandes torres espelhadas, frias, de fachadas enormes e vazias, que não despertam nenhum sentimento?
Seguem aqui, como respostas possíveis, reflexões do arquiteto dinamarquês Jan Gehl e do neurocientista e psicólogo ambiental Colin Ellard. Ambos concluíram que as pessoas tendem a caminhar mais rápido ao passar por lugares de fachadas enormes e rígidas, enquanto desaceleram o andar em bairros de baixa verticalidade, com fachadas ativas, quentes e acolhedoras. Gehl dizia em 2006 que “uma boa rua precisa ser desenhada a fim de que os pedestres, que caminham a uma média de 5km/h, vejam algo interessante pelo menos uma vez a cada cinco segundos”, o que, segundo Colin, “não acontece em frente a grandes edifícios, sejam hipermercados, bancos ou torres empresariais”.
Em 1905 o escritor brasileiro João do Rio falava em ‘flanar’ pela cidade.
Hoje a palavra ‘flanar’ ganhou novos sentidos. Significa muito mais do que um convite para caminhar ou andar sem compromisso pelas ruas. É uma maneira de sentir, perceber, esbarrar, reconhecer e aprofundar a experiência no meio urbano. É na cidade que vivemos e é com ela que nos relacionamos cotidianamente, seja para o trabalho ou para o lazer.
“O geógrafo Yi-Fu Tuan diz que um espaço se torna lugar quando, com o movimento, conferimos sentido a ele, quando o vemos como algo a ser percebido, apreendido, vivenciado” (Livro “Flâneuse”, de Lauren Elkin – “Mulheres que caminham pela cidade em Paris, Nova York, Tóquio, Veneza e Londres”, Editora Fósforo, 2022).
Por isso – e muito mais que não cabe em um único texto –, entendo que ao assumir o comando de uma cidade todo gestor deve ter por princípio cercar-se de profissionais que valorizam a vida urbana e a relação com os habitantes, as pessoas que circulam pelas ruas no dia a dia, sejam mulheres, homens ou crianças, sem esquecer dos que só têm o espaço público para acolhê-los. Ruas, calçadas e praças devem ser seguras, acessíveis e agradáveis e os prédios harmonizar-se com a natureza, possibilitando a ampliação do olhar, para que o andar em direção ao trabalho, à escola, às compras, aos negócios e ao lazer seja leve e o flanar prazeroso.
Em relação à inclusão, já me referi em outros textos ao que diz a arquiteta Flavia Boni Licht e repito: “Independente da idade ou da condição física, a acessibilidade é o direito que todos devem ter de compreender um espaço, relacionar-se com os seus conteúdos e usar os seus elementos com autonomia e independência”. Estamos todos de acordo, não? Mas o poder público parece que não percebe o valor da inclusão.
Muitos desafios e pouco interesse
É indiscutível o grande desafio que os candidatos têm pela frente, mas me parecem pouco interessados em aprofundar estas questões. Os desafios passam, inevitavelmente, por um entendimento contemporâneo da diversidade humana que habita o espaço urbano. O ponto de partida justo é jogar no lixo a velha política do “toma lá, dá cá”, que facilita a corrupção, buscar conhecer a cidade profundamente, pontos positivos e negativos, entender as demandas da população e planejar. Para isso é necessário mudar a relação com o poder econômico e deter a especulação imobiliária abusiva, que dita regras e troca uma população inteira pelo concreto. Inaugurar um jeito diferente, humano na sua essência, de ativar os negócios e o crescimento é o caminho.
Abandonar as carapaças ortodoxas, como Flávia escreveu em 2009, para estabelecer um diálogo franco que compatibilize conceitos, encontre identidades, equilibre posições e construa um novo caminhar na direção do respeito ao ser humano e às suas invenções. Desburocratizar os serviços e fazer um bom uso do dinheiro público. Caso contrário, sempre teremos discursos cheios de promessas, mas vazios, que não resolvem nada. Observem as pessoas em cadeira de rodas e pessoas cegas que andam pelas ruas da cidade. Nada acolhe a sua condição. A infraestrutura oferecida é mínima. As dificuldades de locomoção e circulação decorrentes da carência de equipamentos que facilitem a acessibilidade são enormes.
Circular com autonomia pela cidade ainda é uma realidade distante.
O desleixo é triste! E quando investem em obras para promover a inclusão não se dão ao trabalho de consultar técnicos no assunto e muito menos as pessoas com deficiência para fazer o que é mais adequado. A falta de conhecimento e de informação é assustadora. Preocupam-se apenas em mostrar o que fizeram. Vivemos de verdades que não se sustentam, em uma cruel e cotidiana corrida de obstáculos. Portanto, precisamos insistir no mantra “nada sobre nós, sem nós”.
Foto da Capa: City Clock Magazine/Flickr
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