Os primeiros dados do censo populacional brasileiro revelaram números menores do que as estimativas vinham apontando. A população total do Brasil não alcançou os mais de 213 milhões previstos para o ano de 2022. Não deve passar dos 208 milhões. A diferença pode parecer pequena, mas é significativa. A curva da taxa de crescimento populacional, já faz algum tempo, está apontando para baixo. As previsões catastróficas de uma explosão demográfica dos anos 1970, já sabemos há algum tempo, não vão se concretizar. Pelo contrário, está diminuindo pelas duas pontas o intervalo que nos separa do ano que a população vai se estabilizar ou começar a decrescer. Rumamos para uma estabilidade populacional na maioria das cidades brasileiras. Muitas, inclusive, vão perder população.
Esse processo já começou, principalmente no sul do Brasil, onde é cada vez maior a concentração de idosos em relação aos jovens. No Uruguai, então, esse fenômeno é mais antigo ainda: 3,10 milhões de habitantes em 1985, 3,43 milhões em 2021. Uma estabilidade impressionante. Quem costuma viajar a Montevidéu já se acostumou. A cidade é sempre a mesma…
Se isso é boa ou má notícia para os brasileiros não vou botar em questão aqui. É um fato apontado pelo IBGE. Pode-se achar opinião para qualquer lado, dependendo da abordagem que se faça. Pelo lado do envelhecimento da população: quem vai sustentar as aposentadorias? Pelo lado ambiental: um respiro para o planeta. Seja como for, o que me choca é ver que o planejamento das nossas cidades continua a ser pensado como se o crescimento populacional ainda fosse a regra. Não é.
Isso quer dizer que devemos parar de construir, congelar as cidades? De maneira nenhuma. No meu entender a hora é de pensar no que construir. Por exemplo, é fato que faltam moradias. É só olhar sob as marquises e viadutos. Mas faltam para todos? Não, faltam para os mais pobres. Os ricos as têm sobrando. A quantidade de imóveis vazios é assombrosa no Brasil. Censo do IBGE de 2010 apontou a existência de 300 mil imóveis vazios em São Paulo e 40 mil em Porto Alegre. Direcionar as novas construções, com incentivos para um lado e restrições para outro, para quem não tem moradia deveria ser a política dominante para os novos tempos, ou do contrário cada vez teremos mais imóveis vazios, guardados como bens de capital. Os imóveis que estão sendo aprovados na prefeitura de Porto Alegre não poderão ser adquiridos, nas condições atuais, pela grande parcela da população que tem renda familiar de até 2 salários-mínimos.
Não é curioso que diante desses fatos nossa prefeitura anda fazendo uma cruzada para liberar construções descomunais que possam transformar, por exemplo, o Quarto Distrito numa Manhattan? Ou, pior, o Centro Histórico? A população de Porto Alegre, pasmem, já começou a decrescer em 2020. Como então a prefeitura pretende preparar a cidade para mais 500 mil ou um milhão de habitantes? Percebem a loucura disso?
Não tenho bola de cristal, mas é fácil antever que uma meia dúzia de prédios descomunais vão se sobressair do skyline de Porto Alegre, desfigurando uma paisagem mais ou menos homogênea. Ok, serão edifícios que terão um significado simbólico para a cidade, representando seu poder econômico, político? Sentiremos orgulho deles? Eu moro na cidade do Chrysler Building, é isso? Não, muito provavelmente serão comuns, para ser gentil aqui, e abrigarão centenas de pequenos apartamentos.
Mas não é só de moradias que se trata pensar. A questão da expansão dos limites urbanos, por exemplo, também deveria começar a ser pensada. Pela primeira vez em muitos séculos é possível pensar no desenho de uma cidade finita em seu tamanho, otimizada para uma população mais ou menos constante. O que precisamos construir, seja no setor privado ou público, para que uma cidade que mal e mal alcançará 1,5 milhão de habitantes seja funcional tantos em seus aspectos práticos e simbólicos?
Estamos buscando responder a essa questão? Nem um pouco.
Foto da Capa: Sérgio Souza / Pexels
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