A palavra “resiliente” está na moda, e não só no Brasil. Em todo o mundo se fala em “pessoas resilientes”, “empresas resilientes” e assim por diante. Agora, com o advento das mudanças climáticas chegou a vez das “cidades resilientes”.
Até há alguns anos quase não se ouvia essa palavra, a não ser no limitado mundo da ciência de materiais. Nesse caso, material resiliente é aquele que volta à sua forma original depois de sofrer uma deformação ou choque.
A palavra “resiliente” chegou para substituir “resistente”, “flexível” ou mesmo “invulnerável”. Embora os sentidos sejam um pouco diferentes “resiliente” é de fato uma boa palavra, principalmente se aplicada a sistemas humanos e ecológicos, pois dificilmente uma pessoa, um ambiente natural e mesmo uma cidade, quando sofrem um advento adverso, passam incólumes por ele. Sempre ocorrem danos. Por isso, ainda que resistência (significando que não sofram qualquer efeito) seja o ideal, o que se busca mesmo é uma rápida recuperação após o choque, ou seja, resiliência.
Pois no que se refere às mudanças climáticas, o que desejamos para nossas cidades, onde atualmente vivem 56% da população do planeta (e serão 65% em 2050), é que sejam capazes de suportar chuvas intensas, ondas de calor, secas e outros eventos climáticos sofrendo poucos danos tanto em termos de vidas humanas como em perdas materiais.
Como mostram as porcentagens acima, é nas cidades que a grande batalha para sobrevivermos às mudanças climáticas será travada. Numa luta que vai envolver a todos.
A princípio, muitas “soluções” que têm sido apontadas são muito caras e dificilmente viáveis para países em desenvolvimento. Por outro lado, há muito que pode ser feito a um custo relativamente baixo, aumentando significativamente a resiliência das cidades. Vejamos alguns exemplos.
Plantar árvores
O plantio de árvores é a melhor solução para vários problemas causados pelas mudanças climáticas. Árvores ajudam a baixar a temperatura, evitando as chamadas “ilhas de calor” causadas por superfícies contínuas de concreto, asfalto e outros materiais que podem aumentar em até 8oC a temperatura em certos pontos da cidade. Árvores ainda fornecem sombra onde as pessoas e animais podem se refugiar do calor extremo.
Árvores e plantas também facilitam a infiltração das águas nos solos. A maior parte das cidades atuais tem extensas áreas impermeáveis, de modo que, enquanto na superfície as pessoas e as construções são atingidas por inundações catastróficas, a maior parte do solo por baixo fica completamente seco. E notem, tão importante quanto os grandes parques, que são fundamentais para o lazer da população e preservação da biodiversidade, é preciso haver pequenas ilhas e corredores verdes em toda a extensão da cidade. Pequenos parques públicos, ruas e avenidas arborizadas, áreas internas de condomínios e casas e até mesmo varandas e terraços de prédios podem ser úteis para absorção de água.
É bom lembrar que as árvores, ao crescerem, capturam carbono, de modo que seu plantio não ajuda apenas nos locais onde são plantadas, mas também para reduzir os gases de efeito estufa em escala global.
Recuperar e expandir áreas alagáveis
Manguezais, pântanos, açudes e outros tipos de áreas alagadas podem propiciar um modo eficaz para as cidades resistirem melhor a tempestades e inundações. Muitos desses locais foram aterrados para dar lugar a construções, estradas e outras formas de ocupação humana. Estas áreas devem ser, sempre que possível, regeneradas. Ou adaptadas para que recebam uma maior quantidade de água durante alagamentos e inundações.
Os manguezais, por exemplo, além de conterem uma grande biodiversidade e servirem de berçário para muitas espécies marinhas, desempenham um papel importante na absorção das águas de cheias, assim como atenuam as ondas de tempestade e a intensidade das marés. Ao longo de toda a costa brasileira manguezais estão sendo destruídos, muitas vezes de forma ilegal. Estancar essas ilegalidades e recuperar áreas perdidas pode significar a proteção da biodiversidade, assim como dos humanos e suas propriedades.
Muitas cidades do mundo estão restaurando ou mesmo criando áreas alagáveis que podem ser utilizadas para diferentes funções (parques, quadras de esporte, hortas comunitárias) quando estão secas, mas que servirão para estocar água no caso de inundações.
Prédios verdes e resilientes
Não há nada menos indicado para lidar com as mudanças climáticas, principalmente em termos do calor, do que um prédio com fachadas de vidro que funciona como uma verdadeira estufa, exigindo uma enorme quantidade de energia para ser resfriado. Se isso já é ruim em países de clima temperado, é pior ainda em países de clima tropical como o Brasil, a Índia e outras regiões da Ásia e da África. A cópia do padrão americano, onde os prédios são responsáveis pelo consumo de 75% da eletricidade do país, é uma péssima escolha.
Utilizar luz e ventilação natural, construir ou reformar prédios com paredes que propiciem um melhor isolamento (tanto para o frio como para o calor), evitar que as áreas baixas dos prédios sejam suscetíveis a alagamentos, captar e reaproveitar a água de chuva são algumas das alternativas que podem tornar os prédios mais adequados para enfrentar as mudanças climáticas.
Outro aspecto interessante, que descobri recentemente, é a altura ideal dos prédios. Quando pensava nas cidades do futuro, eu imaginava conjuntos de arranha céus separados por ilhas de verde, pensando que assim poderíamos ter uma grande densidade populacional e ainda preservar as áreas verdes das cidades.
No entanto, prédios muito altos demandam muita energia para resfriamento, aquecimento, movimento de elevadores etc. Além disso, uma quantidade muito maior de concreto e aço (cuja fabricação emite muito CO2) é utilizada em sua construção.
Diversos estudos têm demonstrado que prédios de 6 a 10 andares, construídos próximos uns aos outros, com áreas verdes entre ou no interior dos conjuntos, é a maneira mais eficiente de urbanização. Este padrão de arquitetura já existe em várias cidades brasileiras (ainda que com menos áreas verdes do que o recomendado) e pode ser utilizado, por exemplo, na reurbanização das favelas, que necessariamente irá acontecer com o desenvolvimento do país, e nas áreas em que casas forem sendo substituídas por prédios.
Sistemas eficientes de drenagem e estocagem de água
Este talvez seja o item que envolva mais custos. Mas aqui também há muitas coisas que podem ser feitas antes de se gastar muito. Garantir que as galerias pluviais não sejam obstruídas – o que representa uma das principais causas de alagamento nas cidades, criar “piscinões” para a estocagem do excesso d’água (que é muito mais barato do que o reparo dos danos), isolar a cidade ou prédios com comportas e bombas (idem), garantir que a água da chuva precipitada em morros e montanhas seja devidamente escoada (pois nesse caso o excesso de infiltração é ruim) são alguns exemplos.
Outra proposta interessante é a criação de “rios urbanos”. Quantas vezes se ouve falar que “a rua virou um rio”? Pois bem, o plano de drenagem urbano pode, além das galerias pluviais, dos piscinões e das áreas alagáveis, incluir um sistema em que um determinado conjunto de ruas e avenidas sejam isoladas por muros e comportas móveis (que seriam acionadas de forma automática ou manual) sempre que uma inundação ficasse mais severa. As pessoas talvez reclamem que terão que andar mais para atravessar a rua, mas, novamente, os benefícios superam em muito as eventuais dificuldades.
Uma alternativa é que as vias que servirão para canalizar o excesso d’água sejam rebaixadas, criando espaço para a água escoar. Isto talvez seja mais caro que construir muros e comportas, mas é melhor em termos de mobilidade das pessoas (que usariam passarelas) e para a paisagem urbana.
O papel de todos
As cidades são como um organismo vivo cuja evolução depende das ações somadas de todos seus habitantes. A percepção de que nossas cidades não estão preparadas para a crise climática demanda mudanças de atitudes, prioridades e participação mais ativa da população. Nas cidades temos maiores chances de exercermos nossa influência nas decisões e prioridades dos governos.
Como eu disse acima, é nas cidades que a grande batalha para a sobrevivência humana irá de desenrolar. Esse ano teremos eleições municipais. O mínimo que você pode fazer é escolher bem seus representantes. Pessoas que sejam de fato comprometidas com as mudanças que se fazem necessárias. E depois cobrar, fiscalizar, ser proativo na defesa de seus interesses, sendo que o maior deles deve ser o de preservar a vida – a sua e a de todos nós.
Observação final: para vídeos e textos adicionais confira também meu Instagram @marcomoraesciencia.
Foto da Capa: Frank van Hulst /Unsplash
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