Nada está tão ruim que não possa piorar. Em tempos de campanha política lembro desta máxima todos os dias. É como se o debate político eleitoral destampasse a Caixa de Pandora e espalhasse todos os males. Na mitologia grega, Pandora carrega uma caixa com a recomendação de não abrir, mas ela não contém a curiosidade. De dentro da caixa saem os piores sentimentos de discórdia, violência, preconceitos, intolerâncias. As eleições no Brasil se transformaram no período mais frágil para a civilidade. Amigos viram inimigos ferozes, mentiras são ditas como verdade, artistas são agredidos pelo seu trabalho, igrejas viram palanque eleitoral. E tem as mídias sociais, onde circula o pior do ser (des)humano.
A Caixa de Pandora certamente tem fundo falso porque quando se pensa que atingimos o pior dos cenários vem um episódio como o do Seu Jorge no Rio Grande do Sul. O artista foi agredido verbalmente por parte do público que pagou para assistir ao show dele em um clube em Porto Alegre. A polícia abriu inquérito para investigar o crime de racismo. Uma façanha para servir de antimodelo a toda terra. Enquanto não encontramos a tampa da Caixa de Pandora, o desafio é manter a sanidade mental na expectativa de que o pior vai passar e depois do 30 de outubro a vida seguirá, independente do resultado da votação nas urnas. Por isso, adotei cinco premissas até o dia da votação. Elas têm me ajudado na travessia e o meu gene egoísta acredita altruisticamente que pode ajudar você também.
- Pare e pense, pode ser mentira. A minha premissa é: tudo que eu recebo de link e mensagens sobre temas sociais ou sobre a vida dos candidatos pode ser mentira. Às vezes, eu quero muito que seja verdade, meu impulso é encaminhar para uns e outros e, de birra, acrescentar “Eu te falei, viu só, tá aí”. Mas eu paro, respiro, penso, busco outras fontes e, na dúvida, deixo quieto.
- Deixe de seguir, sem piedade. Todos os dias eu deixo de seguir ou silencio perfis nos sites de redes sociais que frequento. Já era uma prática anterior, o que mudou foram os critérios. Antes eu deixava de seguir perfis que emocionalmente me afetavam de forma negativa, hoje eu deixo para lá perfis mentirosos, extremistas ou propagadores de mentiras, de preconceitos, misoginia e homofobia. Ao mais leve sinal, silêncio. Ao mais contundente, unfollow.
- Saia do grupo do WhatsApp. Esta decisão é um pouco mais delicada do que o unfollow nas mídias sociais. Os grupos de amigos, colegas e família são mais pessoais, as pessoas sabem quem você é e que você está ali. Há chances de sentirem a sua falta. Muitas vezes, o elemento dissonante também é integrativo, por mais contraditório que pareça. A pessoa que agita, denuncia, incomoda reforça uma identidade no grupo. E ela mesma constrói sua identidade na diferença. Mas quando a interação mais perturba do que constrói, saia do grupo. Eu não deixei nenhum grupo, mas sou a favor de quem decide se retirar para manter a sanidade. Até porque assim como podemos sair de grupos, também podemos voltar a qualquer momento.
- Mude o assunto. Esta prática tem funcionado bem. Encontre um ponto de ligação afetivo entre pessoas do grupo de amigos, família, trabalho. Pode ser uma conquista conjunta, um bebê recém-nascido, um evento divertido. Encontre o motivo e mude o assunto sem explicação. Proponha um tema leve, saudável, casual. O prosaico da vida cotidiana, nada de extraordinário. O simples que apazigua, une, evita rompimentos. Por sinal, quando mesmo termina o inverno em plena primavera?
- Vote por você, não pelo outro. Discordar do outro não significa desrespeitar, seja o outro o seu amigo, chefe, colega, vizinho. A atitude mais importante nesta época é fazer a sua escolha racionalmente. Por você. Escolher um candidato pelos critérios e razões que você identifica como relevantes ou menos danosos para a vida coletiva. O voto é individual, mas no conjunto define o rumo de um país e um Estado. Não delegue ao diretor da empresa, dono do bar, pai, mãe ou tia do whats a sua decisão. Você não será melhor ou pior, maior ou menor, por pensar diferente, você será você. Mas, se preferir decidir em silêncio, lembre-se que o voto é secreto. Você estará sozinho na hora de digitar o número na urna eletrônica. O seu voto é uma das atitudes pessoais que maior impacto provoca nos outros, no entorno, na sociedade. Uma dica é buscar informações sobre a trajetória política e de vida dos candidatos, perceber se o discurso é coerente com a atitude, ouvir as falas de hoje e, se tiver acesso, falas de anos anteriores. Observar se o candidato fala o que vai fazer e como. Promessas vazias não param em pé. Outro critério para decisão consciente é o financiamento das campanhas, muitas vezes, por trás das doações estão os interesses de um pequeno grupo e não da coletividade. Eu decidi os meus votos para 30 de outubro pelos valores democráticos, republicanos e de respeito ao pluralismo, à diferença e à imprensa. Escolha um critério, estude, leia, informe-se e decida, por você.
Em um país divido e à flor da pele, sobressaem sentimentos desagradáveis. Mesmo seguindo todas estas premissas à risca, nos próximos dez dias não vamos conseguir fechar a Caixa de Pandora. A tampa está em um lugar distante e não sabido. Quero muito que, a partir de primeiro de novembro, os brasileiros sejam acometidos coletivamente pela síndrome de Pollyana. Derivado da personagem de Eleanor Porter, a Pollyana, o polianismo é a capacidade de guardar apenas as boas lembranças e olhar para o passado, presente e futuro com alegria. Pois eu desejo, polianísticamente, que os piores dos males voltem para a Caixa de Pandora e lá permaneçam para abrir espaço para esperanças de um novo período mais leve, de retomada de crescimento, de investimentos em educação básica e superior, de saúde pública e de oportunidades. Para mim, para você e para todos nós.