“Não há classificação do Universo que não seja arbitrária e conjectural. A razão é muito simples: não sabemos o que é o Universo.”
Jorge Luis Borges
Tudo começou com o Criador (ou Classificador) Supremo, pois, criando o ser humano, já o classificou em dois sexos: macho e fêmea. Não chegou (por desconhecimento ou prevendo controvérsias futuras) estabelecer subclassificações que, como sabemos, são muitas.
Em seguida, criou duas outras categorias: a do bem e a do mal. Ambas foram simbolizadas pela figura de uma árvore que, também sabemos, tem muitas ramificações, grandes e pequenos galhos como os grandes e pequenos bens e males.
Seus seguidores foram tomados de um verdadeiro frenesi de classificações: os sete pecados capitais, os dez mandamentos, anjos, demônios e suas diversas sub-classes e assim por diante.
A Idade Média também foi pródiga nesta mania, quase uma patologia. Classificou – via teólogos da Igreja – as doze dualidades que, segundo eles, dividiam a soberania da alma humana.
Fé e Idolatria, Esperança e Desespero, Caridade e Avareza, Prudência e Loucura, Paciência e Cólera, Suavidade e Dureza, Concórdia e Discórdia, Obediência e Rebelião, Perseverança e Inconstância.
Para decidir, por exemplo, quem seria queimado nas fogueiras, foi escrito, por dois monges, um verdadeiro tratado, o Malleus Malificarum , o mais importante depositário de leis classificatórias que regiam o teocrático Estado Medieval.
Descartes, já no fim da Idade Média, foi ao paroxismo, pois em sua obsessão classificatória, dividiu o homem em dois setores: a Res Extensa e a Res Cogitans. Partiu-o em corpo e mente, numa divisão artificial e irreal cujas consequências danosas suportamos até hoje e que Freud apenas conseguiu atenuá-las.
As classificações, dizem os classificadores, são importantes para a ciência porque são um pré-requisito de todas as tentativas feitas para se descobrir uma ordem no Universo.
Não foi senão Claude Levi Strauss quem descobriu que não podemos suportar a confusão e que devemos, não apenas para viver, mas até para pensar, introduzir diferenças e classificá-las. Segundo ele, os homens são menos ávidos de crenças do que de classificações.
Dos reinos animal e vegetal, encarregou-se o botânico sueco Carolus Linnaeus, ou simplesmente Lineu (1707-1778).
Uma grande parte de nossos conhecimentos dos animais e vegetais está correlacionada com o sistema classificatório de Lineu. Assim, nomeados, ordenados e sistematizados, os animais e vegetais do planeta puderam ser sistemática e irreversivelmente destruídos.
Talvez seja por isso que, das classificações atuais, minha preferência vai para a encontrada pelo doutor Franz Felix Adalbert Kuhn (1812-1881), filólogo germânico, numa enciclopédia chinesa chamada Empório Celestial de Conhecimentos Benévolos e citada por Jorge Luis Borges. Em suas remotas páginas está escrito que os animais se dividem em:
a) Embalsamados
b) Amestrados
c) Pertencentes ao Imperador
d) Leitões
e) Sereias
f) Fabulosos
g) Cães soltos
h) Incluídos nesta classificação
i) Fabulosos
j) Que se agitam como loucos
k) Desenhados com um finíssimo pincel de pelos de camelo
l) Inumeráveis
m) Etecétera
n) Que acabam de quebrar um vaso do Imperador
o) Que de longe parecem moscas
O ignoto Lineu chinês, sabiamente, elaborou uma classificação animal para agradar ao Imperador em suas preferências estéticas e gastronômicas ou, simplesmente, para amenizar o Imperial tédio. E que, embora pareça imprecisa e desordenada diante de nossos cartesianos conceitos, teve o mérito de não aprisionar em grades classificatórias, para depois destruir nossos irracionais companheiros de viagem neste não menos irracional Universo em que vivemos e morremos.
Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras
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Foto da Capa: Gerada por IA