Depois de assistir ao documentário sobre a vida da cantora Rita Lee, recentemente lançado, fiquei fazendo paralelos com a presença das músicas dela em minha história de vida.
Fazendo a retrospectiva do fim ao começo, a música descoberta por último foi “Coisas da Vida” em 1998, no show do Acústico MTV que ela lançou quando eu contava 20 anos de idade. Aquela letra mexeu muito comigo. Soube, através do documentário, que foi escrita por ela após a perda da irmã e da mãe em momentos muito próximos. Como já disse em várias outras oportunidades, sou fascinada em conhecer o processo criativo dos artistas que admiro, e Rita Lee colocava seus momentos de vida muito escancarados em suas letras.
Eu não tenho nada pra dizer, por isso digo. Eu não tenho muito o que perder, por isso jogo. Eu não tenho hora pra morrer, por isso sonho. Achei isso tão corajoso e verdadeiro. Essa abertura à vida e ao acaso sempre me encantou na personalidade controversa e cativante da cantora.
Voltando mais uns anos no tempo, em 1992, eu então com 14 anos, comprei um álbum que passou meio discreto em sua discografia, que recebeu somente o nome dela como título. Nele, músicas que hoje revisitando entendo que tinham a ver com um desejo intenso de descoberta da feminilidade e que no documentário fica evidente a liberdade com a qual ela falava da sua e do quanto isso exalava naturalmente em suas letras. Ali eu ainda não entendia, mas hoje sim, o motivo de um álbum aparentemente aleatório e nada marcante ter me viciado tanto. Eu decorei todas as músicas dele, com destaque para “todas as mulheres do mundo”, que falava que toda mulher quer ser amada e ser feliz, que toda mulher se faz de coitada e é meio Leila Diniz. Mal sabia eu quem era Leila Diniz e todas as outras incríveis mulheres que ela cita na canção.
Ah, 1990… Ano em que ela lançou o inesquecível Boss n’roll, ao vivo, que eu e minha amiga Mari ouvíamos tanto e cantávamos todas as letras juntas de cor. Até hoje, esse é meu álbum preferido, Mutante e Shangrila são letras que me fazem sentir menos sozinha ou então que, mesmo sozinha, está tudo bem ou vai ficar.
A história de amor de Rita e Roberto também é um ponto alto do documentário, um amor que fez nascer letras icônicas e inesquecíveis. Uma amizade e uma cumplicidade que pareciam sair direto da cama para o disco. Ser filho de uma mulher como ela não deve ter sido fácil. Em vários trechos do documentário, os filhos da cantora falam sobre uma ausência dela e do pai e especialmente dos momentos frágeis da mãe e do quanto, ao compararem-se com colegas de escola na infância, percebiam que a vida familiar deles não era nada tradicional. Isso pode ser interessante sob determinado prisma, mas custa caro.
Acima de qualquer coisa, Rita Lee foi uma mulher real, intensa, autêntica e deixa um legado imenso e uma mensagem que todas as mulheres deveriam ouvir sempre. Foi censurada, se perdeu em drogas e especialmente o álcool, mas se reencontrou, e deu de presente ao Brasil uma lista de canções inesquecíveis e transgressoras.
O câncer a tirou de cena, porém sua herança está mais viva do que nunca. Mas sim, “Ah, é o fim da picada. Depois da estrada, começa uma grande avenida. No fim da avenida, existe uma chance, uma sorte, uma nova saída.”
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Foto da Capa: Divulgação.