Topei o convite do Edu Santos (www.instagram.com/edusantos) e fui ao show de Bob Dylan em Lisboa, no último domingo (04). Fui de sangue doce e, confesso, até pensei que poderia ser um programa meio “arrastado”, uma obra-prima do gênero “cansativo”.
Mas, para minha felicidade, só me resta admitir que falhei miseravelmente na projeção do cenário. Foi um concerto inesquecível.
Não pense você que sou do tipo “fanzaço” de Bob Dylan e que sei tudo sobre a vida e a carreira deste jovem de 82 anos. Muito pelo contrário.
Arrisco dizer que sou um completo ignorante sobre sua obra. Conheço pouco mais de duas dúzias de canções suas e muitas só caíram no meu gosto porque as conheci na interpretação de outros artistas.
Mas o show foi f**a, e não apenas pela grande qualidade musical. Teve muito mais e acabei percebendo que o artista norte-americano pode nos ensinar outras disciplinas. Como Caetano Veloso já dizia: “Bob Dylan vive na filosofia”.
Liderança
Grandes astros sobem ao palco sempre cheios de pompa, irrompendo – normalmente atrasados – em um ambiente de expectativa criado para a sua chegada. Se essa é sua expectativa em um show, saiba que Bob Dylan vai te surpreender de saída.
Marcado para às 20h, o início da apresentação atrasou desprezíveis 2 minutos. Às 20h02min, as luzes se apagam e os seis músicos acessam o palco caminhando, numa passada firme e discreta. Segundos depois, quando as luzes voltam, já com os primeiros acordes ao fundo, lá estão todos, inclusive Dylan.
Sim, o líder entrou discretamente com sua equipe. Sem qualquer alarde, focou no que veio fazer naquela noite: entregar música de altíssima qualidade.
Trabalho em equipe
Em nenhum momento do show Dylan assumiu o papel de grande astro. Ao contrário. Atuou como um maestro e deixou evidente que aquilo que estávamos ouvindo (e vendo) só era possível com músicos daquela envergadura.
Bob Dylan se destaca sem ofuscar os outros, como um bom líder que trabalha em equipe. Sua voz, inconfundível como sempre, e a energia com que toca o piano, impressiona quem já esteve em outros 72 shows seus ou quem estava a debutar, que era o meu caso.
Não viva do passado
Tenho pensado e escrito muito sobre carreira. Como nossas obras e o passado são importantes para credenciar nosso presente e futuro. Mas devemos cuidar para não viver “do passado” ou esperar repeti-lo infinitamente.
Vi isso no show de domingo. Foram 16 ou 17 músicas espetaculares, todas novas para mim. Sabe aquelas cerca de 20 canções que comentei conhecer? Pois bem, nenhuma delas apareceu no setlist.
O show é tão surpreendente que ninguém sentiu falta. Dylan não estava lá pra tocar seus grandes sucessos. Estava lá para apresentar seu último trabalho, “Rough and Rowdy Ways”, e algumas outras músicas que faziam sentido de estar ali. “Like a rolling stone”, “Blowin’ In The Wind”, “Mr Tambourine Man” ou tantos outras seriam legais de ouvir, mas não faria qualquer sentido.
Sem telefone celular
E as lições foram dadas não só em cima de palco.
Este era um “phone free show” e fiquei impressionado com como isso funcionou. Já não lembrava de assistir algo assim tão concentrado, despreocupado em tirar uma foto ou gravar um vídeo. Nada de luzes além do espetáculo (sequer a imprensa pode fotografar o show), o que nos fez mergulhar ainda mais na aula de rock.
Interessante nos darmos conta de que prestar atenção garante melhores memórias do que nos fiarmos em fotos ou vídeos publicados nas redes sociais.
Confiar nas pessoas
Quando cheguei, havia uma pequena fila para ingresso no setor de meu lugar. Cerca de 10 ou 15 pessoas cumpriam, sem qualquer reclamação, a obrigatoriedade de vedação do celular. Quando chegou minha vez, apenas informei que estava sem celular. Pensei que seria revistado, mas não foi preciso. Validei o ingresso e entrei.
Acessei o show com a sensação estranha de perceber a “confiança” no outro. Não deveria ser o inverso?
Tudo que é bom, termina.
Depois de 1h50min de intensa apresentação, Bob Dylan agradeceu ao público, despediu-se e foi embora.
Acabou, como tudo na vida. Não teve bis, não teve uma última canjinha, nada. A banda saiu do palco, as luzes acenderam e as pessoas foram embora.
Até o desfecho foi sensacional.
–
Por fim, e ainda em transe, fui ao carro pegar o celular para ver como foi Grêmio x São Paulo. Ao ver o resultado do jogo, também aprendi que o Eduardo Bueno estava certo: Bob Dylan é gremista e tem pacto com o demônio.
Foto da Capa: Eduardo Bueno retratado pelo autor