Entrei no supermercado para uma compra rotineira. Sou daquelas que nunca faz lista. Sei muito bem que facilitaria horrores a minha vida, além de possibilitar um melhor controle nos gastos, mas não faço. Gosto de andar pelos corredores em zigue-zague e exercitar a mente ao comprar o que vejo nas prateleiras com o que vi na despensa e na geladeira de casa antes de sair. Esta minha lógica de compras, aparentemente sem lógica, já me fez descobrir ingredientes e produtos interessantíssimos que talvez passassem despercebidos com um papel e uma caneta na mão olhando somente para o necessário.
Pois bem, estava eu no meu vai e vem e eis que o vejo. Levei um susto! Fiquei um pouco desconsertada, parei, olhei de novo. Era real. Ele estava ali na minha frente.
O Panetone chegou! Antes das luzinhas, antes do frio, antes da combinação das festas. ELE chegou.
Gente, estamos em outubro! Eu pensando nos olhos gosmentos de marshmallow, nos dedos com unhas enormes de goma açucarada, nas aranhas de chocolate e em qual será a cara da abóbora para a festa de Halloween e fui atropelada por aquela pilha enorme de caixas de Panetone.
Por um instante pensei que seria uma versão adaptada para o Dia das Bruxas, mas não, é Panetone mesmo, dos bons, com passas e frutas cristalizadas e figura de Papai Noel estampada na caixa para não deixar dúvidas. É Natal, é Natal! A música invadiu meu cérebro.
Não! Por favor, não! Antes disso quero curtir mais um final de outubro assistindo de novo filmes como Os Fantasmas se Divertem, A Família Adams e A Noiva Cadáver. Na noite do dia 31 quero enfeitar a casa com teias de algodão, trocar as luzes brancas pelas vermelhas, colocar a Sra. Susto na porta, fazer uma mesa com guloseimas e pintar o rosto. Digam o que quiserem, pensem o que pensarem sobre a data, sobre o que significa, se é importada ou não, mas eu gosto, e passei a gostar mais depois que os filhos vieram.
Se tornou um motivo mais para reunir amigos e família em um sarau de risadas e brincadeiras. Este ano tenho até um gato preto! O último integrante da nossa família que foi recentemente resgatado das ruas.
Eu já estava me imaginando vestida de bruxa com ele no colo, e, sem nenhuma cerimônia, vêm os donos das nossas vontades e decidem colocar P A N E T O N E na prateleira?
Sério, vocês não têm noção do impacto que isso causa na vida das pessoas ou pelo menos na minha vida!
É como se, de repente, eu tivesse caído em um vácuo e saído no último mês de 2023. Ao ver aquele Panetone, pulei dois meses, oito semanas, sessenta e um dias, mil quatrocentas e sessenta e quatro horas preciosas.
Com tempo a gente não brinca.
Logo agora que tenho refletido tanto sobre a necessidade de uma vida mais sutil. Coisas da maturidade.
Não sei você, mas para mim cada ano que passa parece que termina mais rápido. A gente pisca e “tcharam”: acabou!
Li algo sobre o assunto e de acordo com alguns cientistas o eixo da Terra tem girado muito mais rápido do que o normal nos últimos 50 anos, essa nova rotação faz parte da própria evolução do planeta. É a expansão da Terra e de toda a Galáxia.
No meu universo particular tenho plena convicção de que na infância e na adolescência cada ano era uma eternidade. Ainda me lembro quando, no primeiro dia de aula, escrevia no alto da folha branca do caderno cheirando a novo, o dia, o mês e o ano daquela jornada que se iniciava. Isso tem uma explicação. Nesta fase da vida tudo é novidade e aprendizado, diferentemente da rotina da idade adulta e, por isso, a gente sente o tempo mais devagar.
Contudo, há outras teorias que afirmam de que a nossa percepção de tempo pode se dar também de acordo com prazer e tédio. Se é muito bom “o tempo voa”, se é ruim “não passa”.
Tem aí uma explicação científica. Joe Paton, um neurocientista da Fundação Champalimaud, uma instituição privada de pesquisa biomédica aqui em Portugal, observou que o conjunto de neurônios responsáveis pela liberação da dopamina, interfere na forma como percebemos as horas passarem.
Quando estamos nos divertindo e sentido felizes, a dopamina está em alta e passa a impressão de que o relógio avançou mais rápido. Já quando estamos entediados, a dopamina é liberada em baixas concentrações, dando a impressão de que as horas estão se arrastando.
Não sei, só sei que naquele momento, em frente aquela pilha de caixas de Panetone, meu relógio interno feito de neurônios deu “tilt” (defeito, se preferirem). Fui ao futuro e voltei ao presente em questão de minutos.
Me furtei em ter que escolher entre o Halloween e o Natal e cedi à força do marketing que estrategicamente posicionou aqueles imponentes Panetones no meio do caminho.
Comprei! Faz dois dias que deliciosamente preparo uma xícara de café, corto uma generosa fatia de Panetone e curto o hoje, pois misturando Zeca Pagodinho com Chico Buarque “deixo a vida me levar”, já que “amanhã será outro dia”.
Já agora (expressão tipicamente portuguesa) a pergunta que não quer calar: por que só tem Panetone no Natal?