Os Estados Unidos nunca foram uma boa referência quando o tema é regulação de mercados. O país é uma verdadeira “Disneylândia do lobbysmo” (e não há nada de errado nisso, apenas uma característica) e uma terra fértil para promover competitividade a qualquer preço.
Apesar disso, vem de lá o alerta feito do economista Gary Gensler, presidente da Securities and Exchange Commission (CES) – espécie de agência reguladora do mercado de capitais – sobre a próxima crise financeira global.
Em entrevista ao The New York Times, Gary alerta que a próxima desaceleração ocorrerá por culpa da inteligência artificial (IA) e o seu uso desregulado. Nesse caso, teríamos uma dependência não controlada das interconexões de dados, gerando risco iminente de IA interferir nos mercados financeiros.
Não bastasse a preocupação dos CEOs com o fim da humanidade em até 10 anos, agora, também será importante nos preocuparmos em como as ferramentas utilizadas poderão optar por preservar os interesses das empresas frente aos interesses dos investidores, contornando os mecanismos de regulação existentes. Isso porque, com a adoção massiva de deep learning e a homogeneização das bases de dados multiprocessadas, será possível o cruzamento de informações muito incipientes a respeito de mercados e empresas, o que eliminará a probabilidade de “risco real” nas bolsas de valores. Se isso ocorrer de fato, rompe-se um elemento importante do estímulo econômico e da formação dos mercados.
Também se abre a possibilidade de manipulação, por orientação ou omissão de informações, e a criação de mais situações com exposição do conflito de interesse que colocariam em questão a relação entre corretores e investidores. Apenas para ilustrar, será difícil sugerir algo diferente da recomendação da IA e o mercado inteiro passará agir como acontece com o “fenômeno de rebanho”, que hoje ocorre pontualmente e de maneira granular (investidores de varejo).
Uma boa analogia é pensarmos em como seria o mercado de apostas na loteria se todos tivessem antecipadamente a informação confiável dos números que seriam sorteados, com níveis de acerto próximos a 100%. Não teríamos mais uma variável que faz com que esse mercado exista: o risco.
E se Gary está preocupado com a falta de regulação, do outro lado do balcão os principais players do mercado de IA seguem dando mensagens dúbias a respeito disso. Sam Altman, CEO da OpenAI (empresa criadora do ChatGPT) faz campanha afirmativa pedindo a regulação da inteligência artificial ao mesmo tempo que ameaça deixar a União Européia caso as medidas regulatórias que estão em trâmite sejam adotadas pelos países do bloco.
E vamos combinar que na comparação com os EUA, a Europa tem se mostrado uma melhor referência na preservação dos interesses coletivos frente a corrida desenfreada pelo sucesso a qualquer preço. Com isso, o bloco econômico perde competitividade, mas mantém um eixo fundamental em sua construção de identidade pós-período colonial.
Diante de tantas possibilidades e perigos sobre a adoção massiva da IA, e sem querer ser alarmista, confesso que estou pensando seriamente em adotar o modelo de reservas cambiais da minha bisavó e guardar dinheiro embaixo do colchão.