No esforço para acelerar a reforma tributária, o relator do tema na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou as linhas gerais da proposta e afirmou que a migração para o novo sistema pode ter uma transição maior para acomodar benefícios fiscais já concedidos por Estados e municípios e que foram convalidados pelo Congresso Nacional até 2031. A reforma tributária é uma promessa de décadas dos políticos brasileiros, inúmeras vezes ensaiadas e nunca efetivada. O documento com as diretrizes foi aprovado de forma simbólica pelos deputados e traz princípios gerais que são consenso entre parlamentares. Mas a materialização do texto da PEC (proposta de emenda à Constituição) ainda depende de novas conversas com as bancadas.
Segundo Ribeiro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que o substitutivo será apreciado no plenário na primeira semana de julho. Para ser aprovada, a PEC precisa de ao menos 308 votos favoráveis, em dois turnos. Ao iniciar a leitura do relatório, Ribeiro defendeu a importância da aprovação da reforma após tentativas frustradas. “Essa não é uma reforma de governo. Não é uma reforma ideológica. Não é reforma de direita, não é reforma de esquerda, é uma reforma estrutural do Estado brasileiro”, disse.
Ele também elogiou o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, que desde a transição elencou a proposta como uma de suas prioridades na condução da política econômica. O secretário extraordinário da reforma tributária da Fazenda, Bernard Appy, acompanhou a apresentação do relatório. Em um momento de dificuldades de articulação da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse que haverá forte esforço em prol da aprovação da reforma. “Nós vamos mobilizar nossa base, mobilizar os líderes, mobilizar o governo para dar legitimidade política e arrumar voto para que vocês coroem esse extraordinário trabalho”, afirmou.
Um dos pilares do relatório do GT é a fusão de PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) que será chamado de IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). O sistema será dual: significa que uma parcela da alíquota será administrada pelo governo federal, e a outra, por estados e municípios. Também será criado um imposto seletivo, que não tem uma finalidade arrecadatória e é aplicado sobre bens e serviços cujo consumo o governo pretende desestimular (como cigarros e bebidas alcoólicas). Alguns parlamentares defendem também aplicá-lo para coibir atividades poluentes. O relatório não indica quais seriam as alíquotas de cada um dos novos impostos, o que ainda vai depender de cálculos efetuados em conjunto com o Ministério da Fazenda.
A cobrança do tributo será realizada onde ocorre o consumo (destino), em substituição ao modelo atual de incidência no local de produção (origem). Haverá um período de transição até que haja a migração completa para o novo modelo. A unificação dos impostos, porém, não pode servir de pretexto para acabar com benefícios fiscais concedidos por estados e municípios e que já foram convalidados pelo Congresso até 2032. A avaliação no Legislativo é de que é preciso dar segurança jurídica às empresas contempladas. Por isso, o relatório indica que eles serão mantidos, mas sem detalhar de como isso será feito.
No relatório da comissão mista apresentado em 2021, a previsão era que a migração para o novo sistema tributário ocorresse em seis anos —dois anos para a fase federal e outros quatro anos para a unificação dos tributos de estados e municípios. Agora, a discussão é prolongar a segunda fase para oito anos, totalizando uma transição de uma década, até 2034 (quando os incentivos já terão terminado). A transição maior ajuda a diluir a fatura da convalidação, que precisaria ser bancada pela União no caso de uma unificação mais célere dos impostos estaduais e municipais. Cálculos preliminares indicam que a conta passa dos R$ 150 bilhões ao ano, fruto da concessão desenfreada de incentivos por governadores e prefeitos em meio à guerra fiscal.
Segundo Ribeiro, a maior parte dos benefícios foram concedidos via ICMS, embora também haja incentivos da União e dos municípios. “Lógico que a transição também serve para calibrar a quantidade de recursos (para arcar com a convalidação). À medida que antecipo a extinção do imposto, evidente que eu aumento o custo”, confirmou o relator. “Ou é aporte ou é transição”, acrescentou, admitindo que o período de migração para estados e municípios pode ser mais longo.
Em relação ao desenho do IBS, o grupo de trabalho prevê a fixação de uma alíquota padrão e de alíquotas reduzidas para setores específicos, como saúde, educação, transporte coletivo e produção rural. O grupo de trabalho também incluiu a possibilidade de contemplar a aviação regional. Haverá ainda tratamento específico para segmentos como combustíveis e lubrificantes, bens imóveis, serviços financeiros, seguros e cooperativas.
Os parlamentares também querem evitar um aumento da tributação sobre os produtos da cesta básica, hoje desonerados ou com menor carga. O relatório sugere medidas para mitigar a chamada regressividade da tributação sobre o consumo, que onera proporcionalmente mais as famílias de menor renda. O governo defende o chamado cashback, termo em inglês que representa a devolução do tributo pago em dinheiro para o consumidor, ideia acatada pelo relatório. Apesar desses regimes específicos, o relatório sugere uma tributação “isonômica”, que alcance inclusive bens e serviços fornecidos por meio de plataformas digitais. “A tributação vai alcançar inclusive aquelas sediadas no exterior”, diz o documento.
As principais objeções
A proposta de reforma ainda desagrada o setor de serviços e os municípios mais ricos do país. O primeiro avalia que pagará mais impostos. O segundo, que irá perder arrecadação. O tema também não é consenso entre governadores e enfrenta oposição de representantes da administração tributária em algumas regiões do país. Politicamente, é necessário ainda ganhar o apoio em duas outras frentes: parlamentares ligados ao agronegócio e à Zona Franca de Manaus. Foi garantido tratamento diferenciado a esses segmentos, mas o formato do benefício ainda é motivo de discussão.
Mesmo os setores que enquadrados como exceções – construção civil/imóveis, serviços financeiros, seguros, cooperativas e combustíveis – esperam para ver qual o tamanho do seu benefício. Como acontece com outros temas importantes do debate político e econômico no país, as discussões sobre a reforma dos cinco principais tributos sobre o consumo também sofrem com desinformação, oportunismo e até negacionismo.
Seis meses do Governo Lula em pesquisa
Sob um olhar apressado, a primeira pesquisa do Ipec sobre os seis meses do terceiro Governo Lula poderia parecer um desastre. Afinal, a avaliação positiva caiu e negativa avançou. Porém, a avaliação não é desastrada, como poderia aparentar. A variação se deu dentro da margem de erro, que é de dois pontos percentuais. Na pesquisa anterior, o governo Lula era considerado ótimo ou bom por 39% dos entrevistados. Agora, são 37%. O conceito ruim ou péssimo somava 26% e passou para 28%. O pior dado é sobre confiança, com empate técnico: 50% confiam e 46% desconfiam. Porém, 53% aprovam o Governo Lula enquanto 40% desaprovam. Antes que a oposição solte foguetes, convém refletir bem sobre os números.
Foto da Capa: Agência Brasil