Que atire a primeira semente de uva aquele que não aproveita a virada de ano para fantasiar um recomeço perfeito. Que não se anime com a ideia de ter uma oportunidade novinha em folha de fazer as coisas de um jeito diferente, melhor, mais consciente. As páginas em branco, lisinhas, sem uma marca, sem uma rasura. Sempre me encantou a ideia de começar de novo a cada 1º de janeiro. Sem as falhas e os fracassos do ano anterior. Sem compromissos adiados, trabalhos atrasados, opiniões equivocadas. Sem conflitos desnecessários. Infelizmente, são raras as vezes em que conseguimos fazer muito diferente.
Quando o ano que se encerra foi bom, exultamos diante da perspectiva de seguir em frente com a mesma positividade. Quando foi ruim, temos receio de que a maré de azar não vá embora. Quando foi péssimo – perdemos alguém querido, perdemos o emprego, perdemos um amor, às vezes tudo junto –, entramos no novo período com a sensação de que pior do que estava não tem como ficar. A verdade é que o ano que sucede um annus horribilis tem muito pouco trabalho para ser melhor, na comparação.
Como país, é o que estamos vivendo agora com o governo Lula III. O rastro de destruição e falta de civilidade deixado para trás pela (medonha) gestão Bolsonaro – que, como li por aí, atrasou o Brasil 40 anos em quatro – torna o trabalho de quem entra muito mais fácil. Ajuda que tenhamos figuras com a estatura e a história política de Marina Silva, Simone Tebet, Geraldo Alckmin, Nisia Trindade ou Flávio Dino para passar essa confiança. Mas a coisa estava num nível tal que até figuras como o poste ruim de voto Fernando Haddad, o amigo do Marcos Valério, Paulo Pimenta, o escorregadio Carlos Lupi e a deslumbrada Janja nos fazem respirar aliviados. Basta pensar que, antes destes últimos, estávamos vítimas, nas mesmas posições, de gente como Paulo Guedes, Fábio Faria, Onyx Lorenzoni e, livrai-nos do mal, Michelle Bolsonaro.
Depois de quatro anos de declarações e atos tão absurdos que pareciam mentira, vamos levar algum tempo para deixar de nos emocionarmos (alguns chegando às lágrimas) com o que não deveria nem sequer ser digno de nota. Estamos como pais de crianças pequenas que se comovem quando o rebento pede por favor, agradece e não bate no amiguinho. Só seremos uma democracia de fato, um país de gente grande, quando atitudes como o presidente da república homenagear o maior ídolo que o país já teve em todas as esferas e a posse presidencial retratar o Brasil com as cores e as formas do século em que estamos (e não de décadas passadas que deveriam ter ficado definitivamente para trás) deixarem de nos arrancar lágrimas e forem vistas como “nada mais do que a obrigação”.
Por ora, vale lembrar que foram ínfimos 2.128.348 votos (de um universo de 118.552.353) que deram a vitória à candidatura de Lula. Especialmente, não se pode perder de vista o fato de que provavelmente esses (e muitos mais) eleitores não votaram a favor do atual presidente, mas contra o anterior. Ter a noção disso é fundamental para não corrermos o risco de ter de volta em quatro anos o que tanto tirou de nós como nação entre 2019 e 2022. Talvez não pareça agora, mas 2026 está logo ali.