Em 11 de dezembro de 2024, entrou em vigor no Brasil a Lei 15.042, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Efeito Estufa (SBCE), o que permitirá, em um futuro talvez não tão remoto, a comercialização de créditos de carbono. Embora a promulgação tenha sido um grande salto para o Brasil, no que concerne ao meio ambiente foi um pequeno passo, pois para que ela surta todos os efeitos esperados serão necessárias diversas regulamentações, sua implementação está prevista em fases e ela deixou de fora das obrigações e das regulações impostas pelo SBCE à produção primária, bem como os bens, as benfeitorias e a infraestrutura no interior de imóveis rurais a ela diretamente associados.
Vale salientar que, segundo publicado no site do Brasil de Fato, o setor agropecuário responde por 73% das emissões dos Gases Estufa no Brasil, conforme pesquisa realizada pela plataforma Sistema de Estimativa de Gases Estufa (Seeg) e divulgada pelo Observatório do Clima. A justificativa do setor agropecuário para ficar fora do sistema de cotas de emissão foi a inexistência de métricas para as medições das emissões e remoções da atividade. Todavia, destaque-se que os mercados de carbono em outros países não excluem o agro da regulação, justamente por ser o principal setor de emissão de gases.
Antes de entrar especificamente no que dispõe a referida lei, vale lembrar que, de forma muito simplista, cada uma tonelada de carbono que deixou de ser emitida para a atmosfera pode se transformar em um crédito de carbono que pode ser comercializado, ou seja, vendido para outras empresas que tenham um nível de emissão muito alto para compensar a poluição por elas geradas.
Essa expressão “crédito de carbono”, de acordo com a lei brasileira, significa um ativo transacionável, autônomo, com natureza jurídica de fruto civil no caso de créditos de carbono florestais de preservação ou de reflorestamento – exceto os oriundos de programas jurisdicionais, desde que respeitadas todas as limitações impostas a tais programas pela referida lei -, representativo de efetiva retenção, redução de emissões ou remoção, de 1 tCO2e (uma tonelada de dióxido de carbono equivalente), obtido a partir de projetos ou programas de retenção, redução ou remoção de GEE, realizados por entidade pública ou privada, submetidos a metodologias nacionais ou internacionais que adotem critérios e regras para mensuração, relato e verificação de emissões, externos ao SBCE.
Para a aplicação dessa lei, é importante ter em mente que gases de efeito estufa (GEE) são constituintes gasosos, naturais ou antrópicos, que, na atmosfera, absorvem e reemitem radiação infravermelha, incluindo dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hexafluoreto de enxofre (SF6), hidrofluorcarbonos (HFCs) e perfluorocarbonetos (PFCs), sem prejuízo de outros que venham a ser incluídos nessa categoria pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
O SBCE observará os seguintes princípios:
I – harmonização e coordenação entre os instrumentos disponíveis para alcançar os objetivos e as metas da Política Nacional sobre Mudança do Clima instituída pela Lei 12.187, de 20 de dezembro de 2009, inclusive mecanismos de precificação setoriais de carbono;
II – compatibilidade e articulação entre o SBCE e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e seus instrumentos, com particular atenção aos compromissos assumidos pelo Brasil nos regimes multilaterais sobre mudança do clima;
III – participação e cooperação entre a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, os setores regulados, outros setores da iniciativa privada e a sociedade civil;
IV – transparência, previsibilidade e segurança jurídica;
V – promoção da competitividade da economia brasileira;
VI – redução de emissões e remoção de GEE nacionais de forma justa e custo-efetiva, com vistas a promover o desenvolvimento sustentável e a equidade climática;
VII – promoção da conservação e da restauração da vegetação nativa e dos ecossistemas aquáticos como meio de fortalecimento dos sumidouros naturais de carbono;
VIII – respeito e garantia dos direitos e da autonomia dos povos indígenas e dos povos e comunidades tradicionais;
IX – respeito ao direito de propriedade privada e de usufruto dos povos indígenas e dos povos e comunidades tradicionais.
O SBCE deverá observar as seguintes características:
I – promoção da redução dos custos de mitigação de GEE para o conjunto da sociedade;
II – estabelecimento de critérios transparentes para definição das atividades emissoras de GEE associadas a fontes reguladas;
III – conciliação periódica de obrigações entre as quantidades da Cota Brasileira de Emissões (CBE)e do Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE) entregues e o nível de emissões líquidas relatado pelos operadores;
IV – implementação gradual do Sistema, com o estabelecimento de períodos de compromisso sequenciais e de limites máximos de emissões em conformidade com as metas definidas na PNMC;
V – estrutura confiável, consistente e transparente para mensuração, relato e verificação de emissões e remoções de GEE das fontes ou das instalações reguladas, de forma a garantir a integridade e a comparabilidade das informações geradas;
VI – abrangência geográfica nacional, com possibilidade de interoperabilidade com outros sistemas internacionais de comércio de emissões compatíveis com o SBCE;
VII – incentivo econômico à redução ou remoção das emissões de GEE;
VIII – garantia da rastreabilidade eletrônica da emissão, da detenção, da transferência e do cancelamento das CBEs e dos CRVEs.
Veja-se que caberá ao órgão gestor do BCCF definir uma série de aspectos que precisam ser regrados para que essa lei atinja os fins para os quais foi criada. O órgão gestor é a instância executora do SBCE, de caráter normativo, regulatório, executivo, sancionatório e recursal, ao qual compete:
I – regular o mercado de ativos do SBCE e a implementação de seus instrumentos, observado o disposto nesta Lei e nas diretrizes do CIM;
II – definir as metodologias de monitoramento e regular a apresentação de informações sobre emissões, redução de emissões e remoção de GEE, observado o disposto nesta Lei e nas diretrizes do CIM;
III – definir as atividades, as instalações, as fontes e os gases a serem regulados no âmbito do SBCE a cada período de compromisso;
IV – estabelecer, observadas as regras definidas no art. 30 desta Lei, os patamares anuais de emissão de GEE acima dos quais os operadores das respectivas instalações ou fontes passam a sujeitar-se ao dever de submeter plano de monitoramento e ao de apresentar relato de emissões e remoções de GEE;
V – definir, observadas as regras constantes do art. 30 desta Lei, o patamar anual de emissão de GEE acima do qual os operadores das respectivas instalações ou fontes passam a submeter-se ao dever de conciliação periódica de obrigações;
VI – definir os requisitos e os procedimentos de mensuração, relato e verificação das emissões das fontes e das instalações reguladas;
VII – estabelecer os requisitos e os procedimentos para conciliação periódica de obrigações;
VIII – elaborar e submeter ao CIM proposta de Plano Nacional de Alocação;
IX – implementar o Plano Nacional de Alocação em cada período de compromisso;
X – criar, manter e gerir o Registro Central do SBCE;
XI – emitir as CBEs;
XII – realizar os leilões e gerir a plataforma de leilões de CBEs;
XIII – avaliar os planos de monitoramento apresentados pelos operadores;
XIV – receber e avaliar os relatos de emissões e remoções de GEE;
XV – receber os relatos e realizar a conciliação periódica de obrigações;
XVI – definir e implementar os mecanismos de estabilização de preços de CBEs;
XVII – estabelecer os requisitos e os procedimentos de credenciamento e descredenciamento de metodologias de geração de CRVE;
XVIII – credenciar e descredenciar metodologias de geração de CRVE, ouvida a Câmara de Assuntos Regulatórios;
XIX – estabelecer as metodologias para definição dos valores de referência para os leilões de ativos do SBCE;
XX – disponibilizar, de forma acessível e interoperável, em ambiente digital, informações sobre as metodologias credenciadas e sobre os projetos validados nos respectivos padrões de certificação;
XXI – estabelecer regras e gerir eventuais processos para interligação do SBCE com sistemas de comércio de emissões de outros países ou organismos internacionais, garantidos o funcionamento, o custo-efetividade e a integridade ambiental;
XXII – apurar infrações e aplicar sanções decorrentes do descumprimento das regras aplicáveis ao SBCE, garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório, bem como ao duplo grau recursal, nos termos do art. 35 desta Lei;
XXIII – julgar os recursos apresentados nos termos do § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Lei do Processo Administrativo Federal), com recursos das decisões à autoridade superior do órgão gestor, conforme regulamento;
XXIV – estabelecer as regras e os parâmetros para a definição dos limites de CRVEs a serem aceitos para fins do processo de conciliação periódica de obrigações;
XXV – estabelecer as regras, os limites e os parâmetros para a outorga onerosa de CBEs associadas aos limites estabelecidos no Plano Nacional de Alocação;
XXVI – propor, no seu escopo de atuação, medidas para a defesa da competitividade dos setores regulados em face da competição externa, inclusive, por meio de mecanismo de ajuste de carbono nas fronteiras; e
XXVII – elaborar e editar as normas associadas ao exercício das competências normativas do órgão gestor, que, nos casos dos incisos VIII e XVIII deste caput, serão precedidas de oitivas formais à Câmara de Assuntos Regulatórios do SBCE e, nos demais, poderão ser precedidas dessas oitivas.
§ 1º Serão submetidas a consulta pública as propostas de atos normativos e parâmetros técnicos referentes aos incisos VI, VII e VIII do caput deste artigo.”
Fico pensando em quanto tempo tais regras serão estabelecidas. Não estou muito otimista. O Brasil me parece cada vez mais distante de um país que combata as mudanças climáticas, sem falar que as queimadas deste ano foram as maiores já havidas, a narrativa é que foram terroristas ou queimadas naturais. Espero que os satélites não demonstrem que tais áreas se transformaram em pastagens ou plantações no futuro.
Uma coisa que essa lei foi super eficiente foi na tributação. Desde já, deixou claro que o ganho decorrente da alienação de créditos de carbono e dos ativos definidos no art. 10 desta Lei será tributado pelo Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, de acordo com as regras aplicáveis:
I – ao regime em que se enquadra o contribuinte, nos casos dos desenvolvedores que inicialmente emitiram tais ativos;
II – aos ganhos líquidos, quando auferidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias e de futuros e em mercados de balcão organizado;
III – aos ganhos de capital, nas demais situações.
Espero que esteja errada a minha percepção de que a real vontade política no Brasil de reduzir as emissões de gases poluentes ainda seja muito incipiente, que essa lei como está é algo “para inglês ver”, um minúsculo passo rumo ao desenvolvimento sustentável neste país de tantos grileiros, garimpos ilegais, de tantas queimadas e invasões a terras indígenas. E você, o que pensa? Deixe o seu comentário, por favor.
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Foto da Capa: Tânia Rêgo / Agência Brasil