Ainda em novembro, totalmente sem alarde, entrou em cartaz a segunda temporada da série documental “High on the Hog” da Netflix. Se a primeira temporada nos prendia pela emoção e reconstituição histórica, agora nos vemos confrontados com passado e presente e a necessidade de interação entre as gerações para que história e legado não sejam apagados.
Composta por quatro episódios reveladores, a série nos conduz por uma viagem não apenas pelas delícias culinárias, mas também por depoimentos que testemunham resiliência, tradição e conexão intergeracional em comunidades negras norte-americanas.
Inspirada no livro homônimo de Jessica B. Harris, High on The Hog vai além de destacar os pratos que moldaram a culinária afro-americana. Os protagonistas de cada episódio aparecem em uma abordagem mais pessoal e intimamente conectada ao público.
Jornalista e chef de cozinha, Stephen Satterfield conduz as entrevistas de forma tranquila, busca proximidade, envolve o entrevistado e o telespectador, se emociona e nos emociona porque o que vemos ali não são depoimentos sobre vidas isoladas. O que nos atinge é a consciência coletiva de um povo. Ao longo dessa jornada gastronômica, somos lembrados de que a comida é muito mais do que subsistência, é uma expressão viva da herança de um povo.
No primeiro episódio, “Comida para Viagem”, somos transportados através das tradições gastronômicas que acompanharam a diáspora africana. Em um contexto exclusivamente afro-norte-americano, a série aborda como a migração forçada influenciou a comida, as identidades e as narrativas culturais. Cada sabor vem carregado de memórias e resgate.
Já em “A Meca Negra” mergulhamos na história de Atlanta e como essa cidade desempenhou um papel crucial na luta pelos direitos civis. À medida em que personagens cativantes compartilham suas histórias em torno de uma mesa, torna-se evidente como a culinária negra é entrelaçada com os eventos históricos. Este episódio ressoa em todos os cantos do país, recordando a importância de reconhecer as raízes culturais nos pratos do dia a dia.
Em “A Resistência”, terceiro episódio da temporada, acompanhamos as tradições culinárias e como elas são transmitidas de uma geração para outra. As conversas muito francas e diretas durante as refeições revelam mais do que amor pela comida, mas também o papel crucial que ela desempenha na preservação da herança cultural. Satterfield se comove e leva a gente junto.
O quarto e último episódio, “Alimentando a Cultura”, ilumina os períodos da Reconstrução e da Grande Migração, destacando a evolução contínua da culinária afro-americana. À medida em que a série explora as mudanças nas receitas e nos hábitos alimentares ao longo do tempo, fica claro que a comida não é apenas uma necessidade física, mas um espelho das mudanças sociais e culturais.
Negros por trás das câmeras
A série de quatro episódios foi feita por uma equipe criativa intencionalmente negra – o que em si já é uma raridade na televisão. Fabienne Toback e Karis Jagger são produtoras executivas. Roger Ross Williams é o diretor principal da primeira temporada da série, com Yoruba Richen e Jonathan Clasberry. A segunda temporada foi dirigida por Erik Parker e Kamilah Forbes, tendo Williams como produtor.
O roteiro geral é baseado no livro de 2011 da historiadora e autora de livros de culinária Jessica B.Harris, que aparece na primeira e na segunda temporada ao lado do apresentador Stephen Satterfield, jornalista, escritor de gastronomia, sommelier e chef.
Ao final das temporadas, renasce o forte desejo de que um dia produções semelhantes ou mesmo uma continuidade desta série possa resgatar a herança gastronômica e a uma outra história também no Brasil. Essa é uma das tantas lacunas da história negra em nosso país que precisa ser escrita, registrada e preservada.
Foto da Capa: Divulgação