Quem já trabalhou comigo sabe que sou um péssimo líder “comando e controle”. Dou exemplos abomináveis quando se trata de organização de tarefas, debocho de todas as regras – inclusive as que eu ajudei a criar – e acredito mais em efetividade do que em performance.
Mas, de um jeito ou de outro, logo, logo vou completar 30 anos de trabalho em equipe, seja como recurso, ou seja, como “chefe” e acho que já posso falar um pouco sobre liderança.
Em primeiro lugar, acredito piamente que liderança é uma característica inata. Tem gente que nasceu líder positivo, outros são líderes negativos e, obviamente, tem quem não tenha o menor pendor para levar um time adiante.
Basicamente, o líder positivo é aquele que motiva sem nem perceber que está fazendo isso. Que estimula o melhor das pessoas e consegue que diferentes personalidades trabalhem nos lugares certos e harmoniosamente. Que ajuda no seu desenvolvimento e dá o reconhecimento adequado quando isso fica evidente.
Já o líder negativo faz tudo isso ao contrário, basicamente mobilizando seus recursos em torno de ambientes tóxicos e espirais infinitas de competição fratricida. Nesse caso, eles são aqueles que acham que, tornando a vida de todo mundo um inferno, chegarão a resultados melhores. No fim, se as metas forem alcançadas, tomam tudo como uma grande confirmação de seu método “carrasco”. Se falharem, têm como regra identificar a culpa no outro, mesmo quando tentam travesti-la como sua para aparentar ser o líder que chama para si a responsabilidade.
E é aí que o mercado editorial encontra mais um filão: livros que prometem transformar qualquer zé ruela em uma liderança positiva. E, como agora eu estou me embrenhando na cultura portuguesa e admirando a capacidade lusa de reclamar por reclamar, vou me dedicar hoje a dizer o óbvio: todas essas obras focam em criar gerentes, não líderes.
Como comecei a estudar sobre o tema, recentemente um dos leitores desta coluna me indicou o best-seller Pipeline da Liderança. Organizado pelo renomado consultor de negócios Ram Charam, o livro apresenta uma metodologia que seria capaz de alçar, em seis passos, um estagiário a líder com diferencial competitivo.
De executor de tarefas, o recurso se transforma em distribuidor de tarefas, depois gestor, gestor funcional, gestor de negócios, gestor de grupos e, finalmente, gestor corporativo. Um caminho lógico, em que, a cada degrau, são escolhidos os profissionais mais habilitados a seguir para a próxima etapa do funil.
Perceberam o problema? O livro diz que liderança não é uma qualidade inata, que todo mundo pode ser treinado para “gerenciar” pessoas, porém, o processo de trabalho inclui a seleção de quem tem perfil de liderança.
Li também Líderes se servem por último, de Simon Sinek, autor que muito admiro e para quem o melhor caminho para o sucesso de um líder é promover a segurança emocional do seu time, despertando a confiança e união das pessoas. Inspirado no lema dos fuzileiros navais norte-americanos (“os oficiais se servem por último”), o autor apresenta diversos casos militares que demonstram como o papel do líder não é apenas gritar ordens, mas garantir que toda a equipe esteja equipada e amparada para ter sucesso.
Outro ponto interessante é que Sinek é enfático na necessidade de liderar com confiança e integridade. Segundo ele, é preciso reconhecer seus erros e valorizar os acertos dos demais. Mas muito além desses insights todos e mesmo trazendo o perfil de líder para aspectos biológicos, em que serotonina, dopamina e outras substâncias exercem papel fundamental, o livro deixa a desejar quando falamos de liderança além das hierarquias autoritárias.
Neste universo editorial, minha mais grata surpresa foi a obra dos professores Armênio Rego e Miguel Pina e Cunha, que no livro Que líder sou eu? preocupam-se mais em traçar e identificar competências diversas e comuns aos líderes, do que as definir taxativamente.
Numa exposição que harmoniza competências conceituais, sociais e pessoais para apontar as diferentes personalidades dos líderes, deixam claro que a capacidade de seguir aprendendo coisas novas ao longo de sua jornada é o fator chave de sucesso daqueles que nos inspiram. Vale reforçar que o aprendizado não trata apenas de conhecimento técnico ou outras habilidades passíveis de processualização, mas também modelos comportamentais, como a própria humildade, para não se deixar “embriagar” pelo poder.
De uma forma geral, aprendi vivendo e lendo (bem recentemente) que, assim como nas competições de alta performance, a personalidade é o que diferencia um bom atleta de uma estrela, um gestor de um grande líder. Os primeiros têm talento e muito treino. Os últimos têm tudo isso somado a características que não se ensinam, como resiliência, paciência, perseverança, empatia ou, até mesmo, sangue-frio nos momentos decisivos.
Enfim, se você leu até aqui e ficou na dúvida se é um líder nato, um gestor em formação ou apenas um colaborador sendo testado, fica a dica: a cada situação pense no que seu chefe filho da puta faria (todo mundo já teve um para lembrar) … e faça exatamente o contrário. Sempre funcionou comigo.
Foto da Capa: Agust de Richelieu / Pexels