Ultimamente, tenho lido várias notícias referentes a invasões de prédios, casas, terrenos, o que é uma tremenda dor de cabeça para os proprietários ou legítimos possuidores de tais bens e, por outro lado, um ato de desespero de quem leva, na maioria das vezes, uma vida de grande sofrimento e exclusão. Fico triste pela angústia de todos os envolvidos, mas entendo que a ordem jurídica deve ser mantida, que invadir bens alheios não é a melhor forma de resolver um terrível problema social que é a falta de moradias no Brasil. Se por um lado temos a previsão constitucional do direito à moradia previsto no artigo 6º da Constituição Federal, também temos o direito a propriedade. A solução não é fácil, e no caso de quem não tem para onde ir, precisa ser imediata, não pode ser algo que fira a dignidade da pessoa humana ou meras palavras jogadas ao vento, promessas, com frequência feitas por políticos, que quase nunca são cumpridas, e que me embrulham o estômago.
Aqui, no Rio Grande do Sul, a situação da falta de moradias está ainda pior, pois um grande número de pessoas menos favorecidas economicamente, e que moravam em áreas mais baixas, tiveram suas modestas casas e quase a totalidade de seus bens destruídos pelas enchentes. Em que pese as diversas promessas políticas, inúmeras pessoas ainda não tem um local que possa ser uma moradia razoável para ir. Uma pessoa que ajudei e a família dele, acabaram tendo de retornar para a casa que ficou quase um mês submersa em Eldorado. Pelo jeito, logo serão obrigados a sair correndo para não morrerem afogados. Triste Brasil do Oiapoque ao Chuí, um país tão rico, mas com tanta desigualdade social, e com tanto desrespeito a dignidade da pessoa humana.
Como escrevi, acima, creio que a ordem jurídica deve ser preservada, e devam ser respeitas a propriedade e a posse dos bens, mas também o direito à moradia tão lindamente previsto na constituição chamada de cidadã.
Este artigo, no entanto, visa falar sobre a defesa da posse, não me atrevo a dar sugestões sobre como resolver o gravíssimo problema social resultando da falta de moradias.
Embora existam diversos conceitos de posse, para o Código Civil brasileiro “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. Assim, alguém não precisa ser o proprietário para ser possuidor, um locatário, um comodatário, um depositário, alguém que viva há algum tempo em uma casa como se dono fosse, por exemplo, são possuidores e merecem a proteção jurídica adequada.
Ademais, além da função social da propriedade, temos no nosso ordenamento jurídico também a presença da função social da posse, que pode ser evidenciado até mesmo em diversos artigos do Código Civil, em especial naqueles que valorizam a “posse trabalho”, que consagram a desapropriação privada por posse-trabalho, ou reduzem o prazo para a usucapião. Vide os artigos 1.228, §§ 4º e5º, 1.138 e 1.242 do Código Civil, por exemplo.
A este passo, vale mencionar alguns conceitos jurídicos que são muito importantes para decidir qual será a linha de defesa da posse.
A posse pode ser direta, também chamada de imediata, quando o possuidor tem a coisa materialmente, como é o caso dos locatários, depositários, comodatários e os usufrutuários, ou pode ser indireta ou mediata, quando outra pessoa a exerce diretamente, há neste caso um exercício de direito decorrente da propriedade. Como exemplo dos possuidores indiretos podemos mencionar os locadores, depositantes, comodantes e o nú-proprietário.
A posse será justa quando não houver vícios objetivos, não houver violência, clandestinidade ou precariedade, é por isso chamada de “posse limpa”. A posse será injusta se apresentar vícios objetivos, por ser decorrente de violência, ato clandestino ou de precariedade. A posse violenta é aquela que decorre de esbulho, força física ou moral. Um exemplo seria aquela em que várias pessoas ou um movimento invadem um prédio, um terreno, uma área rural. A posse clandestina é aquela que ocorre às escondidas, de forma sigilosa, oculta. Poderia ser o mesmo exemplo, mas a invasão ocorre à noite, silenciosamente e sem violência.
A posse poderá ser de boa-fé, quando o possuidor ignora os vícios da sua posse ou a tem com base em um justo título, ou pode ser de má-fé, que ocorre quando o possuidor sabe do vício sobre a coisa, mas quer exercer o domínio da mesma.
A posse será nova quando contar com menos de um ano e dia, e será velha quando contar com mais de um ano e dia.
A posse ad interdicta, que se saliente é a regra geral, é aquela que pode ser defendida pelas ações possessórias diretas ou interditos possessórios. Essa posse permite que tanto o locador quanto o locatário defendam a posse de uma turbação ou esbulho realizado por alguém.
A posse será ad usucapinem, quando pelo decurso de um lapso temporal ela permitir a aquisição da propriedade pela usucapião. Sobre usucapião, vale ler meu artigo publicado aqui no Sler em 11 de julho de 2022.
Mas o que fazer em caso de ameaças a minha posse, ou se alguém tentar turbar a minha posse por meio de atentados fracionados que causam a perturbação parcial do direito de posse, ou no caso de esbulho em que há a perda total da posse? Bem, procure imediatamente um advogado ou um defensor público se não estiver em condições de arcar com as despesas com um advogado e processuais.
Quanto mais tempo o invasor permanecer na posse do seu bem, mais complicado o processo ficará por várias razões diferentes. A primeira delas é que você perderá o direito de utilizar a legítima defesa da posse e do desforço. Vale destacar que legitima defesa precisa ser imediata e não pode ir além do necessário para a recuperação da posse. Ademais, dependendo do decurso do tempo, o invasor poderá alegar que seu imóvel é o local de trabalho e a moradia dele, que a posse dele cumpre uma função social que havia sido deixada de lado pelo proprietário, que há de ser respeitado o seu direito constitucional à moradia, e, em casos em que a posse do invasor for prolongada, até mesmo usucapir o imóvel, adquirir a propriedade do bem pelo decurso do tempo. Além disso se a ameaça, a turbação ou o esbulho forem novos, portanto, com menos de um ano e dia, caberá liminar nesta ação. Todavia, se for ultrapassado este prazo, caberá “ação de foça velha”, e não será possível a obtenção de mandado liminar de manutenção ou reintegração de posse.
No caso de ameaça à posse, quando o possuidor tem o justo receio de ser molestado na posse, há um risco de ela ser atacada, portanto, caberá a ação de interdito proibitório. Contudo se já tiver havido pequenos atentados fracionados à posse, caberá a ação de manutenção de posse, mas no caso de esbulho, onde houver a perda total dela, caberá a ação de reintegração de posse. Observe-se que nos casos de ameaça busca-se a proteger o possuidor do perigo iminente, no caso de turbação a ação de manutenção tem como objetivo preservar a posse, enquanto que no caso de esbulho o objetivo a recuperá-la.
Este artigo abrange violações de posses não só de casas e prédios, mas também de terrenos ou fazendas. Espero que ele lhe tenha sido útil, e que você tenha a sorte de jamais precisar se utilizar destas medidas jurídicas acima mencionadas.
Foto da Capa: Bruno Peres / Agência Brasil
Mais textos de Marcelo Terra Camargo: Leia Aqui.