- Se você estiver lendo um livro qualquer, mesmo que de outra área que não seja a “sua”, estabeleça imediatamente relações com sua área “que ninguém nunca percebeu” e pense no livro que está lendo como um “simples instrumento” para o seu artigo.
- Recolha pedaços de artigos anteriores, mude os tempos dos verbos, a conjugação, altere o título (se o título original se referia ao conteúdo objetivo do texto, o novo deve se referir à subjetividade do autor), defenda exatamente a mesma ideia e, no final, surpreenda: conclua a mesma coisa com palavras diferentes.
- Leia em português, mas cite em inglês ou alemão a referência bibliográfica que, claro, você nunca leu. Dê mostras de cosmopolitismo linguístico, ora com citações banais em latim ou grego (que você encontra em qualquer “dicionário” de citações), ora em inglês e francês, insinuando, aqui e acolá, uma certa intimidade com os autores que você “conheceu quando estudava na Universidade Mórmon do Sul da Flórida” (onde você fez apenas 6 meses de doutorado sanduiche).
- Mostre sempre a falência das ideologias e, sobretudo, do marxismo. Nunca deixe de elogiar o multiculturalismo, a interdisciplinaridade, o pós-estruturalismo, as pedagogias anticolonialistas, as epistemologias do sul e, finalmente, defenda uma política de resultados eticamente orientada (uma contradição em termos, que ninguém notará!).
- Lembre-se de que somos todos “protagonistas”; que os processos de subjetivação modernos perderam seus fundamentos; que a noção de fundamento não passa de uma metafísica secular; que a História é uma aventura aberta e sem sentido predeterminado; que o Sujeito precisa ser redescrito.
- Diga sempre que a ciência não passa de um discurso do poder e do controle, uma das tantas narrativas modernas, visando a objetificação da natureza e dos homens e que a dupla Bacon-Descartes é responsável por um “humanismo desastroso”. Recorra sempre aos argumentos da intuição, da sensibilidade, do sentipensamento; afinal, a Razão não passa de uma estratégia moderna de dominação. E não esqueça nunca: a culpa é de Descartes!
- Defenda, em rápidas passagens, uma “dieta do cuidado de si”, uma “estética da existência”, um “Kaloskaghatos”, um bem-viver; fortaleça a ideia de uma vida sem culpa, de um amor fati, de um hedonismo responsável, de uma pedagogia não disciplinar, de uma prática educativa aberta e anticurricular.
- Não existe artigo “original”. Todo artigo parte de uma ideia que não é sua, passa pelos argumentos de outros artigos, que você procurará “esconder” em sua argumentação, e conclui com o que todo mundo já sabe.
- Assim que o artigo for publicado, não dê muita publicidade, nem chame muita atenção sobre ele (há sempre alguém que sabe mais sobre o ele do que você mesmo!). No máximo, use-o em sua própria sala de aula, onde alunos inscientes e incultos jamais descobrirão sua falta de originalidade. Em seguida, corra e coloque as referências na Plataforma Lattes.
- Se seu artigo for rejeitado naquela revista altamente qualificada, não se desespere: mande-o, seguindo esta ordem, para revistas regionais, locais, paroquiais e, finalmente, para a revista do seu próprio Departamento, onde ele dificilmente será lido. E coloque a referência na Plataforma Lattes. Lembre-se sempre: nosso mundo tem muito mais “escritores” do que “leitores”. E não esqueça da Plataforma Lattes. Por favor!
Foto da Capa: Freepik
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