“Por que soar as cornetas do apocalipse?” Me perguntou o apresentador do programa “Pânico na TV” após eu ter tomado a temerária decisão de divulgar meu livro “Planeta Hostil”1 em um programa que, além de ser um verdadeiro bombardeio de perguntas capciosas, tende a ser negacionista em muitas coisas, incluindo as mudanças climáticas. O fato é que, além do que se esperava mesmo deles, eu tive a oportunidade de explicar como a situação é, por um lado, muito grave, mas, por outro, se não possível de ser solucionada no seu todo – afinal, muitos gases de efeito estufa já estão na atmosfera e lá ficarão por muitos séculos – pelo menos minimizada para tornar a vida humana suportável, ou pelo menos viável, durante os tempos difíceis que virão.
O pessoal do Pânico não foi o primeiro a questionar o tom sombrio do livro. Frequentemente, as pessoas me perguntam: está claro que a situação é muito difícil, mas você não vai nos dar esperança? Apontar saídas? Minhas respostas para isso são duas. Primeiro, a proposta do livro, assim como das colunas que escrevi por quase um ano aqui na Sler é apresentar as diversas formas de degradação do planeta de forma clara, abrangente e acessível. Penso que, se queremos resolver um problema, a primeira coisa que temos que fazer é compreendê-lo. Munidas desse conhecimento, as pessoas poderão decidir como agir para se preparar para o que for inevitável, assim como se juntar ao esforço de evitar que as coisas fiquem ainda piores.
A segunda resposta é que, ao descrever um problema, apresentamos a chave para começar a resolvê-lo. Afinal de contas, se estamos fazendo algo errado, a primeira coisa que temos que fazer é procurar formas de deixar de fazê-lo. E aqui aparece mais um ponto. As soluções para os diversos e complicados problemas que os humanos estão causando ao planeta são variadas e dependem de condições locais, como o grau de desenvolvimento, as características culturais e outros fatores que variam em diferentes regiões e países. Além disso, dependem da situação econômica e da atividade exercida por cada pessoa.
Assim, por exemplo, se você for agricultor, há muito que pode fazer para cultivar a terra ou criar animais de uma forma que seja menos danosa ao ambiente. Se você tiver recursos financeiros, pode contribuir para as muitas organizações não governamentais que estão se dedicando à busca de sustentabilidade. E todos nós podemos atuar como cidadãos que, uma vez munidos de conhecimento, procurem informar os demais e pressionar governantes, políticos e empresas para que passem a agir de forma honesta na busca de uma economia sustentável.
Além disso, a ciência e tecnologia estão avançando rapidamente, e novas soluções aparecem a todo momento. Por isso tudo é que eu não me atrevi a apresentar soluções específicas para os problemas que descrevi no livro e nas colunas. Até agora.
O que me fez mudar de ideia é a necessidade de agirmos imediatamente, pois a crise já está instalada, e não há mais tempo a perder. Precisamos descobrir formas de resolver os problemas, envolvendo a aplicação de tecnologias e soluções econômicas que já sejam viáveis. Ainda que sabendo que haverá uma evolução constante de tais possibilidades, vale a pena conhecermos quais são as opções que temos agora e que estão ao nosso alcance.
Essa é a abordagem que vou utilizar em uma série de artigos aqui na Sler, na tentativa de ajudar as pessoas a tomarem melhores decisões a respeito de como agir, possibilitando que o façam de imediato, cada uma dentro de suas possibilidades e do seu campo de influência.
Antes de começar, preciso ainda clarificar a abordagem que vai nortear esses artigos.
Não é só a crise climática
Como eu tenho repetido insistentemente, a crise ambiental é muito mais ampla do que a crise climática. Esta é, sem dúvida, algo muito sério e urgente de ser enfrentado, pois o clima está se deteriorando muito rapidamente, mais do que previam os cientistas, e já estamos todos sentindo seus efeitos.
Mas há muito mais: a degradação dos oceanos, a destruição de ecossistemas costeiros e terrestres, a crise hídrica, a poluição química e plástica, e uma série de outros processos, muitos deles interconectados, cuja compreensão requer uma análise mais ampla.
Assim, vou tratar aqui da crise ambiental do planeta (ou crise ecossistêmica – se for para utilizar um termo mais preciso). Os humanos estão cada vez mais conscientes de que fazemos parte desse ambiente físico, químico e biológico que suporta a vida no planeta. E que precisamos dele para sobreviver. Sabemos que estamos transformando esse ambiente em algo muito mais hostil à nossa existência. Mas as relações entre os milhares de componentes do grande sistema natural são tão vastas e complexas que estamos apenas começando a entender as consequências de nossos atos. Em outras palavras, se quisermos sobreviver, precisamos garantir que as mudanças do planeta se deem de forma mais lenta, para que possamos entendê-las e nos prepararmos para elas.
Realismo e pragmatismo
Já se foi o tempo do ambientalismo romântico, que pregava a preservação da natureza para que pudéssemos usufruir de sua beleza, e assumíssemos que temos, como a espécie dominante, a obrigação de respeitar as demais formas de vida. Essa visão é sem dúvida correta, mas a gravidade da situação significa que temos que preservar o planeta para, antes de tudo, preservar a nós mesmos.
Também não faz sentido a abordagem mística da relação entre os humanos e a natureza. O mundo mágico trazido pelo misticismo pode ser atraente. E não está errado quando diz que somos parte integrante da natureza. Ocorre que os problemas que estamos enfrentando e vamos enfrentar são de tal natureza que precisam ser resolvidos com o uso da ciência e da tecnologia e com novas formas de postura e organização da sociedade que sejam práticas e viáveis.
É isso que pretendo fazer aqui. As soluções que vou apresentar são todas exequíveis imediatamente. Serei implacavelmente direto nisso. Não haverá propostas para um mundo perfeito, para uma sociedade que não seja como somos: seres divididos entre o tribalismo e o individualismo.
Se olharmos o mundo como um todo, veremos que o máximo que conseguimos do ponto de vista tribal é adotarmos o conceito de país. O que é, sim, um feito extraordinário da cognição humana. Você não conhece todo mundo que vive no Brasil. E o Brasil, ainda que tenha um território bem demarcado (físico), é muito mais uma identidade abstrata, baseada em uma série de elementos que temos em comum.
Mas só vamos até aí. Nos últimos anos, o mundo tem visto a ressurgência de um nacionalismo excludente e muitas vezes xenófobo e agressivo. Todas as tentativas de tomarmos decisões globais – para o bem de toda a humanidade – têm fracassado.
Essa natureza humana simplesmente não pode ser desprezada. Portanto, vou apresentar soluções que levem em conta nossas limitações.
Consumismo e materialismo
O atual sistema capitalista (note que eu disse atual – pois o capitalismo não precisa necessariamente ser assim) parte do pressuposto de que teremos um crescimento permanente à custa da exploração crescente dos recursos naturais do planeta.
Além disso, somos escravos de um sistema que nos faz acreditar que consumir cada vez mais é o único caminho para a felicidade. Mas isso é uma crença. Não precisamos desse consumo desenfreado para termos uma vida plena e feliz. É perfeitamente possível imaginar um mundo em que o bem-estar das pessoas cresça permanentemente sem que seja necessária toda essa destruição.
Pretendo analisar que tipos de mudanças serão necessárias na filosofia de vida das pessoas, como podemos resistir às forças que nos empurram para consumir cada vez mais (seja produtos, seja experiências) e nos darmos conta de que a felicidade e a realização pessoal não dependem de quantas bugigangas você comprou hoje, ou se já foi naquele resort de que todos estão falando.
É a parte mais difícil das soluções. Mas pretendo demonstrar que podemos modificar nosso estilo de vida sem prejudicar nossa satisfação pessoal.
Otimismo realista
Já falei desse conceito no livro e nas colunas. Diante dos enormes desafios que temos que enfrentar, é compreensível que as pessoas “joguem a toalha”, assumindo que não há nada que possamos fazer. Seria um grande erro. Há muito o que fazer, sem causar grandes rupturas na sociedade e sem deixar de reconhecer nossa própria natureza.
É importante não minimizar a gravidade da situação. Devemos estar muito preocupados com o que está acontecendo com o planeta. Já existem várias situações em que o ponto de não retorno já foi atingido, e a degradação de certos ecossistemas está se tornando irreversível, o que é muito ruim. Por outro lado, a paralisia não ajuda em nada. Há muito que ainda podemos e devemos fazer. Afinal, a Terra e seus ecossistemas são a nossa única casa. Estamos destruindo o único lugar do universo que é apropriado para nós. E isso tem que mudar. Pretendo demonstrar como fazê-lo.
Espero que você me acompanhe nessa jornada.
1O livro “Planeta Hostil” descreve de forma abrangente os processos de degradação ambiental do planeta. Pode ser uma leitura difícil, mas é necessária. O livro pode ser adquirido em livrarias físicas e online de todo o Brasil, no site da editora Matrix (matrixeditora.com.br) e em lojas online.
Observação final: para vídeos e textos adicionais, confira também meu Instagram @marcomoraesciencia.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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