Esses dias ouvi no Papo das 9, do André Trigueiro, que os pais são pistas de lançamento dos filhos no mundo. Adorei a metáfora. Na hora, me dei conta de que é uma bela analogia. Então, se somos aquele lugar que coloca no contexto as criaturas que vão compor a sociedade, como estamos nos comportando para prepará-los para um planeta mais quente? Eis uma pergunta dura, difícil. Pois atinge todas as instâncias e várias editorias da vida. E também extrapola aquela situação de tentar se eximir dessa atribuição. Todo mundo precisa se adaptar e saber que o contexto com altas temperaturas e eventos extremos – tudo indica – veio para ficar.
Os multimilionários (aquela pequeníssima parcela) e os ricos e emergentes (que se acham milionários) também não escapam desse desafio. Afinal, mesmo frequentando ambientes com ar-condicionado, as ondas de calor, tempestades, eventos climáticos e meteorológicos afetam os planos de quem frequenta aeroportos. Ou seja, estamos todos na mesma nave. Só que uns estão no compartimento de bagagens, alguns na primeira classe e outros na econômica. Quem vai conseguir escapar? Tenho dúvidas, inclusive, se quem está na torre de controle (seus familiares e amigos), leia-se os tomadores de decisão por mais petróleo ou donos das big techs, conseguirá sair ileso.
Estamos diante da quinta onda de calor só neste ano no Brasil. E aí, como escrevi a semana passada: só ter ar-condicionado não basta. Tenho sobrinhos-netos, filho, enfim, realmente me preocupo com como estamos nos preparando e trabalhando esse assunto entre as novas gerações para esse futuro incerto e cada vez mais quente. Percebo que a esmagadora maioria dos viventes ainda não acordou para essa realidade.
Isso tem a ver com práticas diárias de conduta perante o mundo. Está intimamente relacionado à forma como se encara a vida. E as opções de consumo, de preparação mental diante dos desafios. Se nunca foi fácil educar, agora, confesso, está mais complexo por vários motivos. Sinto isso na pele, nos ouvidos, no coração todos os dias. Ocupar um mesmo ambiente climatizado, por exemplo, pode gerar momentos de tensão na minha casa devido a interesses tão diferentes.
Esses dias peguei uma chuvarada intensa, de quase uma hora, em uma estrada. Eu, no volante, comecei a refletir: com risco de aquaplanagem, sem enxergar dois metros à frente, logo me veio à cabeça o quanto minha mãe me estimulou para não desanimar diante das intempéries. Ela sempre dizia que tinha sido criada cheia de cuidados e isso a fez ser uma pessoa medrosa. Ela nunca aprendeu a andar de bicicleta e nem era de se aventurar em brincadeiras. Por isso, criou os filhos (sou a sexta e última) de um jeito mais solto, sem nos colocar medo para subir em árvore, no telhado ou mesmo fazer as coisas sozinhos.
Enquanto a chuva batia forte no para-brisa, fiquei pensando em quem iria continuar dirigindo naquela situação. Tenho visto muitas pessoas à minha volta que têm medo das coisas mais ínfimas: de barata a assalto, de andar na rua à noite até pegar um ônibus. Enfim, circular por qualquer lugar pode ser perigoso. A sobrinha de uma conhecida morreu em um condomínio de luxo no litoral porque, ao sair de bicicleta, foi apanhada por um carro em movimento. Um amigo do meu filho morreu porque sofreu um acidente estúpido em um quadriciclo que colidiu com uma árvore.
Só que hoje, além dos riscos impensáveis que estamos cercados, há diversas ciladas das redes sociais, golpes de internet e manipulação. Devido ao contexto climático, precisamos transmitir às crianças e à juventude o quanto é importante tomar água, usar roupas adequadas diante do calor, saber se proteger para não ter insolação. Todos precisam saber como agir durante chuvas torrenciais, alagamentos e enxurradas. Isso é mais do que urgente, ter informações para difusão em massa. Os currículos escolares precisam se ater a isso. Aliás, se alguém souber de algum parlamentar ou governo que esteja propondo iniciativas de educação para esse momento de alterações climáticas, por favor, me conte.
Onda de calor é considerada desastre
Conforme a Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade), as ondas de calor são classificadas como um tipo de desastre meteorológico provocado por temperaturas extremas. Segundo o texto, a definição para esse tipo de situação é:
“Quando um período prolongado de tempo excessivamente quente e desconfortável, onde as temperaturas ficam acima de um valor normal esperado para aquela região em determinado período do ano. Geralmente, é adotado um período mínimo de três dias com temperaturas 5ºC acima dos valores máximos médios.”
Ou seja, não só crianças e jovens, todo mundo precisa saber o que fazer, como se preparar para enfrentar esse calor infernal.
Você que passou de meio século deve lembrar, assim como eu, que décadas atrás eram um, dois dias de altas temperaturas. Em seguida, vinha a chuva e o clima voltava a ficar ameno. Também recordo que dificilmente se tinham calorões em outras estações, fora do verão. Para quem está na menopausa, climatério, quer dizer, quem está na minha faixa etária, sofre duplamente. Se os fogachos vêm com tudo, independente das condições do tempo, com essas marcas dos termômetros, estar na rua ou sem um ventilador por perto é algo insuportável.
Para completar, o que mais me incomoda é que vivo em uma cidade onde tudo demonstra que os setores da prefeitura não se conversam. Se há previsão de tempestades severas, por que o serviço responsável não retira as folhas e galhos antes da chuva? Por que não há um planejamento que respeite o funcionamento da natureza? Ou alguém acha que a água não irá empurrar as milhares de folhas e serragem de madeira para os bueiros?
Qualquer síndico sabe que, se houver interferência em um espaço de grande circulação, essa obra precisa ser rápida. É urgente começar e terminar para ontem. Até hoje não entendi por que demoram tanto para consertar os taludes do Arroio Dilúvio ao longo da Avenida Ipiranga. São situações que evidenciam o quanto a administração tem demonstrado pouco apreço pelo contribuinte. E mais: vou confessar que não estou conseguindo beber a água da torneira devido ao gosto alterado. E fico me indagando: será que dá para confiar na água do DMAE nessas condições?
Enfim, queridos e queridas leitoras, estamos vivendo um momento histórico de várias situações nas quais não sabemos a resposta. E há uma crise de governança dentro e fora de casa, inclusive nas esferas de poder. São tempos de incerteza, tempos que exigem mais que resiliência, muita lucidez, humor e leveza. Para não enlouquecer, diga-se de passagem.
E esse desespero das conclusões da vida adulta também reflete na nossa relação com os familiares. E não dá para esquecer que estamos vivendo sob a ditadura das telas e da cultura da instantaneidade – ensinar a gurizada a ter paciência é outro mega desafio. Creio que um caminho é buscar alternativas de convivência que vão na contramão dessa onda do “cronicamente online” e promovam a conexão com a natureza para fomentar a percepção de risco sobre onde vivemos.
Existem movimentos pelo mundo afora para que se consiga viver longe dos smartphones, ou melhor, da internet. Há comunidades que promovem encontros presenciais onde o uso de celulares é proibido. A ideia é promover conexões reais por meio de debates sobre leitura, trabalhos manuais e relaxamento ao ar livre.
No RS, Estado que nem se reestabeleceu ainda com desastres meteorológicos de 2023 e 2024, provocados por tempestades, enxurradas, granizo, agora enfrenta mais uma onda de calor só neste ano. Se você me leu até aqui, procure saber como agir diante desses cenários. Como transmitir noções básicas de como viver sem energia elétrica, como conviver com alagamentos, que roupas e calçados são mais indicados para crianças, adolescentes e jovens (aqueles que se acham donos da razão, então, é dureza). A lista não é pequena, mas só em começar a pensar nesse contexto já é um primeiro passo.
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Foto da Capa: Gerada por IA