Pela profissão, acompanho encerramentos dos mais variados modos jurídicos. Sim, existem maneiras de encerrarmos uma empresa, que envolve um relacionamento: um relacionar-se com o público, por conta das suas atividades, um relacionar-se interno, com seus colaboradores, um relacionar-se consigo mesmo, porque entender que a hora de encerrar envolve não só um luto, mas compreender fragilidades e até mesmo assumir erros.
Mas por que raios enquanto você lê este texto uma música fúnebre passa aos ouvidos, como se enterrados estivéssemos sendo?
Claro que não seria uma música festiva, pandeiros e fogos de artifício, mas poderia ser de alívio.
E se esse encerramento fosse planejado? Discutido, tratado, conversado, avaliado, pensado e repensado? Você já refletiu sobre o fim do seu negócio?
Dentro de uma finitude de viver, somos seres que constroem e formalizam coisas com a tendência de achar que elas perduram, perenes e, por expectativas, criamos uma ideia de constância e de infinitude, como se fosse possível construir formas e ferramentas de que algo ficará para sempre.
Só que diante de uma vida inteira em que diariamente ferramentas e tecnologia se atravessam em todas as pontas de uma cadeia produtiva ou de serviço, adaptar-se não é para poucos, ainda mais para aqueles que são apaixonados ou possuem uma relação quase de identidade com o seu trabalho.
Você já se viu sendo algo além do que você faz?
Se a sua capacidade de se ver está vinculada direta e estritamente com o seu negócio, com a sua profissão, bem-vindo ao clube daqueles que foram criados para ser alguma coisa. Uma geração de pessoas que foram ensinadas e criadas para serem constituídas em afazeres e tarefas, em que a existência está moldada a uma profissão.
Por esse ser profissional é que, muitas vezes, é difícil compreender que encerrar o que se faz e reavaliar para onde devemos ir fica distante.
Perceber o tempo, não pelo relógio, mas pelo nível de energia despendido por anos e anos realizando as mesmas tarefas e atividade, porque sim, somos seres que se preservam pela estabilidade, apesar de toda a instabilidade que sabemos que é viver e que é ter um negócio.
O apego ao bem-sucedido e ao sucesso, de um negócio perene e constante, não está condizente com a volatilidade de tudo, desse tanto, desse todo.
Dados, vamos aos números: de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 48% das empresas brasileiras fecham em até três anos, 80% das micro e pequenas empresas não chegam a completar o primeiro ano e 60% fecham antes dos cinco.
O encerramento de um CNPJ afeta não só o CPF que o representa, mas há impacto, não só econômico em seu entorno, há um social, uma circulação de renda entre partes. Não é à toa que há previsão legal sobre a função social da empresa, pois sim, não esqueçam que do lado de cá, uma advogada existe e labora. Mas, principalmente, impacto psicológico, um evento que afeta toda a expectativa de sonho de empreender com aquilo que se desenhou, um dar fim muitas vezes frustrante, com gosto de fracasso.
Além disso, uma mulher que empreende não tem o mesmo cenário masculino – ah, sim, claro que sim, vamos falar de gênero. Um homem que resolve empreender tem a si, o seu bolso, o seu espaço-tempo. A mulher tem um ecossistema, nos amparamos na conjugação da segunda pessoa do plural. Nós. Mesmo solo, mesmo microempreendedora, mesmo sendo “EUPRESA”, a estrutura do negócio desta mulher está enraizado, envolvido, embolado de família, filhos, amigos, amigas, irmãos, pais, esposa, companheira, comunidade, marido, namorados, ou seja, o “bem comum”.
Já estamos no momento de citarmos uma mulher: “As mulheres engajaram-se em intensas lutas para defender o “bem comum” – as terras, as florestas e as águas, assim como os bairros ameaçados pela gentrificação – e, assim, defender o mundo dos valores culturais, sistemas de conhecimento e identidades sociais que são destruídos quando a terra é envenenada e as comunidades deslocadas” [1]
Fechar um empreendimento feminino não apaga uma lâmpada, mas um bairro inteiro fica sem luz, porque ela, a mulher empreendedora, ela está só, mas ela leva o mundo, o seu mundo consigo.
E, ao trazer sobre os fins, sobre avaliar e analisar o encerramento de um negócio, abro um imenso parêntese para o empreendedorismo de necessidade, do qual não há como pensar sobre. A professora Saras Sarasvathy [2] em seus estudos refere o processo causal desse empreender por necessidade, um processo de efetuação, ou seja, eles fazem uso do que têm (quem são, o que conhecem e quem conhecem). Aqui o desistir não existe como escolha.
Então, amiga mulher empreendedora, te convido a falar de pausa, de retirada, de afastamento, de um distanciamento sobre este seu empreender diário que há anos não te retorna financeiramente o mínimo para sobreviver, este seu negócio em que você está sozinha com uma única mão ao leme, barco à deriva dentro dessa imensidão chamada empreendedorismo.
A gente precisa falar sobre o fim.
[1]Federici, Silvia e Valio, Luciana Benetti Marques. Na luta para mudar o mundo: mulheres, reprodução e resistência na América Latina. In the Struggle for Changing the World: Women, Reproduction, and Resistance in Latin America. Link
Chris Baladão, bicho raro, formada e por coração advogada, na época em que o curso levava sociais em seu nome, escritora por necessidade de expor a palavra, bailarina porque o corpo exige, professora porque a experiência da vida precisa ser compartilhada.
Foto da Capa: Tânia Rêgo/Agência Brasil