Ligamos para a Defesa Civil na quinta, dia 2 de maio. A orientação é que deveríamos seguir monitorando. Exatamente o que é monitorar?
Nas falas oficiais, vinha o alerta de um grande transtorno a caminho, diferente de tudo o que conhecíamos, mas nada didático, tipo “olha, não se trata de uma enchente como a da chuva, um alagamento como os que ocorrem em tantos pontos da cidade durante o ano. Será uma inundação do rio. Quando isso ocorre, entra água na sua casa pela porta de frente, se você mora no térreo, e pelo pátio através da rede pluvial, pelo bueiro. Se isso acontecer, a sua casa vai ficar com um metro e meio de água dentro por umas duas a três semanas até o rio baixar.”
Se eu tivesse essa explicação clara, teria chamado pessoas para me ajudar, já na quinta, a levar máquinas de lavar e secar, lava-louça, geladeira, fogão, sofás, poltronas, eletrola, escrivaninha e armários para o andar de cima. Ou para um depósito não sei onde. Mas não tive. Fiquei com a palavra monitorar até a sexta de manhã.
Meu filho, pelas 10 horas, disse “pai, liga de novo pra Defesa Civil.” Dessa vez, uma mulher falou que, desde ontem, a orientação para o Quarto Distrito era se mandar. Ok, ela falou evacuar.
Botamos tudo o que eu, meu filho e minha esposa conseguimos para o segundo piso, mas, evidentemente, não tínhamos como colocar coisas muito pesadas. Olhamos um pouco antes a água vindo já na metade da Gaspar Martins, do outro lado da Farrapos. Colocamos, ingenuamente panos embaixo da porta de entrada e uns banquinhos como fazíamos nos dias de enchente na São Carlos.
Fechamos a casa. Pegamos nossas três malinhas com algumas peças de roupa, um colchão e entramos no carro. Alguém na rua gritou que o bueiro na Praça Florida já estava explodindo e jorrando água.
Fomos primeiro para o apartamento de um amigo, que foi para a casa de sua mãe, para nos ceder seu bonito cantinho. É na Zona Norte de Porto Alegre. Dois dias depois, ele teve que voltar, agora com sua mãe, pois havia risco de estourar um dique por lá.
Saímos para a casa do meu cunhado, na Zona Sul, por uma noite e de lá para Tramandaí, no dia seguinte, para o apartamento emprestado de uma amiga e colega de flamenco da minha esposa. Em três dias, três casas.
A viagem foi pela RS 040 e levou mais de quatro horas para um trajeto que costuma não passar de duas. Pela estrada engarrafada, um corredor com ambulâncias, polícia, carregamento de botes, ônibus vazios para resgatar pessoas.
Ficamos um mês em Tramandaí. Esfriou. Compramos roupas quentes no comércio pilotado por vários chineses. Perguntei à atendente da loja, muito atenciosa, como se dizia “obrigado” em chinês: xièxiè.
Foto da Capa: Tramandaí / Divulgação
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