“Todos os meninos e meninas da minha idade passeiam em pares pela rua. Todos os meninos e meninas da minha idade sabem bem o que é ser feliz”.
Assim começa Tous Les Garçons Et Les Filles. Uma das mais famosas composições da cantora e atriz Françoise Hardy. Ícone da canção francesa, ela despontou como símbolo do movimento yé-yé dos anos 60 e manteve sempre expressivo sucesso. Em 2006, foi agraciada com a Grande Medalha da Canção pela Academia Francesa. Em 2023, a Revista Rolling Stone a incluiu em sua seleção dos “200 maiores cantores de todos tempos”, sendo a única representante francesa na lista.
Em 17 de dezembro de 2023, um mês antes de completar 80 anos, Françoise publicou uma carta aberta ao presidente Emmanuel Macron. Pedia a legalização da eutanásia em seu país.
Há mais de uma década, Françoise Hardy vinha sofrendo. Com o diagnóstico de um linfoma de difícil tratamento, chegou a necessitar um coma induzido em 2015. Em 2018, passou a tratar um câncer de laringe. Ao longo desse período, submeteu-se a vários tratamentos: quimioterápicos, radioterapia, imunoterapia. Tinha dificuldades para falar e deglutir. Sentia dores intensas e, nos últimos tempos, apresentava dificuldades de visão, de equilíbrio e memória. Em 2021, numa entrevista, ela já havia se manifestado pedindo uma morte medicamente assistida, frente ao “sofrimento físico terrível” que vinha suportando há vários anos. “Quero partir em breve e de maneira rápida”, afirmava ela.
Tema crucial da Bioética, deve-se ter bem presentes alguns conceitos que ajudam e esclarecer e embasar tão importante e polêmica discussão. Não se pode esquecer que, sob pretexto de ideais totalitários, a eutanásia já foi ignobilmente utilizada. Nesses casos, um “recurso” recorrente e infame que desvirtua a marcha civilizatória.
A eutanásia tem base no comportamento ativo e intencional de abreviação da vida de um doente terminal, que seria adotado com intuito benevolente pelo profissional de saúde. “Suicídio assistido” é tirar a própria vida com auxílio de alguém. “Distanásia” é o retardamento máximo da morte, inclusive fazendo uso de meios extraordinários e desproporcionais. “Ortotanásia” identificaria a morte no seu devido tempo, em consonância com as leis da natureza, sem o emprego de meios artificiais de prolongamento da vida.
Entre essas diferentes visões do tema da morte com intervenção, a ortotanásia parece ser a que mais se aproxima da possibilidade de algum consenso. Mas é preciso que a comunidade médica, jurídica e a sociedade em geral reforcem a discussão a partir de quatro questões fundamentais: a limitação consentida de tratamento (que já uma realidade em nosso meio, o “testamento vital”, um documento registrado em cartório com a manifestação da vontade do paciente – de aceitação ou de recusa – quanto a procedimentos, cuidados e tratamentos de saúde caso se esteja com uma doença terminal); os cuidados paliativos e o controle da dor; os Comitês Hospitalares de Bioética; e a educação dos profissionais de saúde e adequada informação do público.
Françoise Madeleine Hardy nasceu em Paris no dia 17 de janeiro de 1944, durante a ocupação nazista. Faleceu em 11 de junho de 2024, em plena efervescência de renovado extremismo político. Reconhecida por sua sensibilidade e sofisticação visual, torna-se agora também um símbolo de um tópico primordial da filosofia: o direito individual a uma vida e a uma morte digna.
Françoise teve forte ligação com o Brasil. Em 1964, apresentou-se no Rio de Janeiro e em São Paulo. Voltou ao país em 1968 para o III Festival Internacional da Canção, também no Rio, com uma composição própria: A Quoi Ça Sert. Ao retornar para Paris, gravou La Mesange, versão francesa escrita por Franck Gerald para Sabiá, do Tom Jobim e do Chico Buarque. Gravou um álbum influenciado pela bossa nova e tido como clássico, La Question, em colaboração com a violonista brasileira Valeniza Zagni da Silva, a Tuca.
Para essa minha crônica, apropriei-me do título da canção Comment Te Dire Adieu, composição de Arnold Goland, Jack Gold e Serge Gainsbourg. Foi outro sucesso na carreira de Françoise Hardy: Como Te Dizer Adeus.
Na adaptação para o francês de Sabiá há um trecho em que ela canta: “Que je puisse enfin / Revoir l’horizon / Au bout du chemi” – Que eu possa finalmente / Rever o horizonte / No final do caminho.
Que assim tenha sido, Françoise: Que possas ter revisto o horizonte no fim do caminho!
Foto da Capa: Divulgação.
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