Geoffrey Hinton, pioneiro da inteligência artificial (IA), deixou o Google depois de mais de 10 anos de trabalho. Em entrevista ao New York Times, Hinton explicou que se arrependeu do seu papel na criação da IA, pela sua capacidade destrutiva.
De acordo com ele, a tecnologia que ele ajudou a formatar pode substituir trabalhadores humanos, além de se tornar uma ferramenta potente para proliferar fotos, vídeos e informações falsas. E tudo isso aconteceu mais cedo do que o esperado: “Achei que faltavam 30 a 50 anos ou mais”, disse Hinton.
E o estrago já está nas ruas. As duas últimas semanas trouxeram à tona uma série de fatos que repercutiram a relação das plataformas de inteligência artificial (IA) e o mercado criativo, especialmente de música, fotografia e artes gráficas. Plataformas sendo usadas para gerar obras novas a partir do repertório criativo de artistas levantaram debates sobre ética, direito autoral e, mais amplamente, sobre o quão impactadas serão nossas vidas.
O primeiro burburinho foi em torno da recusa do fotógrafo Boris Eldagsen em receber a premiação do Sony World Photography Awards 2023, pela obra Pseudomnesia: The Electrician (imagem da capa). O artista alemão revelou que a imagem em preto e branco foi gerada com o uso de IA, a partir de outros trabalhos seus e acervo de bancos de imagem, para evidenciar que a premiação não estava preparada para lidar com o contexto atual.
Mas quem está? Neste caso específico, o fato ampliou os debates sobre o trabalho e o uso de ferramentas “além do click”.
Confesso que não vejo tanto problema no fato do uso da ferramenta pelo próprio autor. Assim como usa-se foto exposição, photoshop, after effects, … e tantas outras técnicas, não vejo tanto problema no autor fazer uso também de IA para atingir o resultado do seu trabalho. Desde, é claro, isso seja informado e creditado na foto.
Acho que isso vale para o artista de obras de arte, inclusive. Entendo que pouco importa a técnica aplicada na construção da obra. E IA estaria nesse saco de possibilidades, sendo só mais uma opção para o artista atingir o seu objetivo de expressão. Falo isso porque entendo que o valor da obra está no que ela desperta no público que a vê e independente da técnica usada.
Contudo, quando outros usam IA para “criar” a partir do trabalho alheio, estamos falando de usar a tecnologia para “falsificar”. Foi o que ocorreu no mercado de música em dois casos particulares.
Num deles, programadores utilizaram IA para criar um “álbum perdido” do Oasis. Alimentaram o programa com canções antigas da banda e adicionaram técnicas de produção dos anos 2000, já que a banda se separou em 2009. Com isso, chegaram num nível capaz de gerar os interesses de fãs da banda e comentários positivos dos próprios irmãos Gallagher, pouco conhecidos pela simpatia, diga-se de passagem.
Isso também aconteceu com a canção Heart On My Sleeve, publicada como sendo uma parceria de Drake e The Weeknd, mas que precisou ser retirada das principais plataformas de música após ser revelado que a faixa fora criada com IA.
Nesses dois casos, vemos a inteligência artificial sendo usada para gerar (não uso o verbo “criar” propositalmente) coisas com base na produção artística e intelectual de outros. Alguns podem dizer que a base serve apenas de referência, mas é mais do que isso, até pela enorme velocidade e quantidade que isso permitiria.
Esse composto de características coloca em xeque muitas questões. Direito intelectual, ética e, por que não, transparência na relação com o público.
Acho que é cada vez mais urgente o fato de que IA veio para transformar nossas relações de uma maneira ainda mais exponencial do que já aconteceu com as mídias sociais.
Já arrisco dizer que vou terminar o ano com alguma música do U2 feita só pra mim. Se a IA conseguir inserir na letra algo de Os Angueras com riffs do The Edge, vou ter que tirar o chapéu.
Foto da Capa: Obra Pseudomnesia: The Electrician, de Boris Eldagsen