Nesses tempos de infodemia, com telas no bolso, em cima da mesa, nas paradas de ônibus, em backlights, salas de espera, dentro do elevador, entre outros lugares, se faz qualquer coisa para ter audiência. Nossa atenção é disputada por vários interesses. Geralmente por algo que não precisamos saber. Ou então, por alguma informação da qual viveríamos muito bem sem tomar conhecimento.
O problema é que há situações que precisamos saber e não estão sendo veiculadas. Há necessidade de manter a população ciente dos riscos que está correndo. E é tarefa do poder público alertar, explicar ou melhor comunicar o que está acontecendo. A comunicação a que me refiro é aquela em que há entendimento, houve troca, negociação. Segundo o sociólogo Dominique Wolton, simplesmente informar não é comunicar.
Faço esse preâmbulo porque estamos vivendo no Rio Grande do Sul um momento histórico, pós-desastre, no qual os poderes públicos têm demonstrado ignorar a importância de comunicar sobre os riscos que corremos em tempos de agravamento das mudanças climáticas. Isso envolve ondas de calor, situações de emergência de saúde pública e risco de desastres.
Recentemente, o governo do Estado utilizou recursos públicos para veicular nas salas de cinema um vídeo de mais de 40 minutos sobre o quanto a gestão atual, ou melhor, a pessoa do governador, se empenhou em resolver os problemas deixados pelas inundações e enxurradas do ano passado.
O conteúdo do documentário rende muitas interpretações. O chefe do executivo anunciou recentemente sua saída do partido no qual foi eleito duas vezes para governar o RS. Revelou, ainda, que gostaria de concorrer à presidência da república. Não vou e não quero entrar na seara de comentar o teor e o conteúdo do trabalho feito pelos cargos em comissão (CCs) da Secretaria de Comunicação.
Comunicação pública
A comunicação que é paga com dinheiro público deve servir à coletividade, não aos interesses de quem está no comando. Minha intenção é focar no quanto todos os governos, não apenas o Estadual, mas os municipais e o federal, deveriam investir na comunicação de risco como estratégia de gestão. Esse tipo de comunicação envolve o convencimento, a educação da população ou grupos específicos sobre as possibilidades de perigo ao não se tomar determinados cuidados, pois representam riscos ao ambiente e à saúde.
O National Research Council (NRC), organização estadunidense de pesquisa e desenvolvimento em ciência e tecnologia, em 1980, fez amplo estudo sobre o tema e definiu que comunicação de risco é um processo interativo de troca de informações e opiniões entre indivíduos, grupos e instituições a respeito de um risco potencial. A concepção desse tipo de comunicação deve ser encarada com mecanismos onde organizações científicas ouvem e consideram as populações envolvidas na disseminação e no recebimento de opiniões de outros grupos, que não sejam ligados às Ciências.
Ou seja, é um processo de troca, de construção sobre o que e como se deve comunicar. É algo complexo, requer consulta de comunidades que têm entendimentos diferentes sobre as situações.
A comunicação de risco trata da prevenção, do que se deve fazer para evitar problemas mais graves quando acontece algum acidente ou episódio com danos e mortes. Todo mundo hoje sabe o que significou a pandemia e o tanto que foram trabalhadas as várias formas de medidas de segurança para evitar a contaminação pelo vírus da Covid-19. No entanto, estamos vivendo com outros riscos rondando e o poder público prefere divulgar o que ele acha que é bom e não o que a população precisa.
Só para terem uma ideia, em 2024, morreram 280 pessoas no RS de dengue (dados divulgados no Summit sobre Mudanças Climáticas realizado recentemente pela UFRGS). Um número superior ao total do desastre mais que climático: 184 óbitos e 25 desaparecidos. A proliferação do mosquito transmissor da doença segue sendo um caso sério de saúde pública neste ano. No entanto, tanto na imprensa quanto nas telas, não se vê campanhas sobre o assunto. Será que ninguém perguntou qual é a relação da explosão de casos com o desmonte do serviço público?
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Comunicação Pública, Jorge Duarte, esse tipo de comunicação implica compromisso de colocar o cidadão no centro: significa ouvir com atenção, garantir o direito à informação verdadeira, acessível e compreensível, e criar caminhos efetivos de participação. É comunicação voltada ao interesse coletivo, que aproxima Estado e sociedade e fortalece a cidadania. É erro grave tratá-la como algo secundário. Esse trecho é parte do artigo “Caso INSS também é exemplo de crise de comunicação”, publicado este mês e assinado por ele.
O Chile, por exemplo, devido ao histórico de terremotos, tem desenvolvido diversas ações de comunicação de risco com o objetivo de reduzir os danos à população. O país, assim como o Brasil, também é signatário do Marco de Sendai, um documento que define uma série de medidas para redução do risco de desastres.
Para encerrar, vou usar alguns argumentos citados pelo professor Fernando Fan, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, no colóquio para jornalistas realizado pelo IPH e a Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS no dia 28 de abril. Ele afirmou que há estudos que mostram o quanto investir em sistemas de previsão e prevenção de cheias é eficiente para reduzir vulnerabilidades. Um deles evidencia que, para cada real empregado, são economizados 112 reais. Outro chegou à conclusão de que o investimento de um real na prevenção evitou o gasto entre 18 e 27 reais. E ainda lembrou de outra pesquisa que definiu que a cada real, seriam economizados 661 reais!
Por tudo isso, me impressionou o tanto de energia, tempo, recursos humanos e financeiros que foi direcionado à confecção de um vídeo sobre o evento do passado, enquanto temos um futuro pela frente que requer muita prevenção e investimento. Ou você ainda não sabe que o Rio Grande do Sul é o estado com a maior ocorrência de eventos extremos, como estiagens, ondas de calor, ciclones, trombas d’água e granizo?
Em tempo, só mais algumas informações.
O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), por meio da Defesa Civil Nacional, reconheceu, na quarta-feira, dia 14, a situação de emergência em 30 cidades afetadas por desastres. Destas, 20 estão no RS. Estão enfrentando estiagem: Ajuricaba, Bom Progresso, Candiota, Chapada, Chuvisca, Coqueiros do Sul, David Canabarro, Erechim, Estação, Jacutinga, Lagoa dos Três Cantos, Lagoão, Mormaço, Novo Tiradentes, Salto do Jacuí, Santo Antônio do Planalto, Santo Augusto, Tapejara e Tenente Portela. Já Pareci Novo foi castigada por fortes chuvas.
Além disso, o Governo Federal autorizou o repasse de dinheiro também na quarta, dia 14, a Estrela Velha (R$ 30.325,98); Cândido Godói (R$ 183.642,00); Caçapava do Sul (R$ 285.426,00); Porto Lucena (R$ 7.799,40); Itupiranga (R$ 1.008.113,00); General Câmara (R$ 130.882,86) ;São Pedro do Butiá (RS) R$ 57.967,92; Caibaté (RS) R$ 87.275,28; Santo Cristo (R$ 190.500,00); Cerro Largo (R$ 56.793,18); Dois Irmãos das Missões (R$ 45.720,00); São Pedro do Sul (R$ 20.000,00); Santo Antônio do Palma (R$ 53.691,90) ; Tucunduva (RS) R$ 46.548,00; Maratá (R$ 638.869,07); Nonoai (R$ 229.321,73); Paim Filho (R$ 37.197,68); Barros Cassal (R$ 216.668,52); Garruchos (R$ 51.448,50); Trindade do Sul (R$ 92.730,75) que já tinham sido afetadas por desastres.
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Foto da Capa: Reprodução do Youtube