A proposta da atual administração da prefeitura de Porto Alegre de livrar-se da responsabilidade de gestão da cidade, atingiu o seu auge com o projeto de concessão de espaços públicos de lazer de Porto Alegre, como praças e parques. Além da venda da única empresa de transporte público municipal, por preço vil, que exercia um equilíbrio no valor e na qualidade do transporte urbano, está no alvo a privatização do sistema de abastecimento e tratamento da água e saneamento básico (esgotamento sanitário, drenagem urbana, águas pluviais) – o DMAE. Sem falar dos mais de 500 imóveis colocados à venda, pertencentes ao patrimônio imobiliário do Município, e que poderiam estar garantindo habitação de interesse social, mas que viram “arrecadação” para o Município, que se desconhece onde será investida.
Afora todos esses contrassensos, o alcaide decidiu abrir mão de cuidar de nossas áreas verdes e privatizá-las sob a forma de concessão por largos espaços de tempo, de 30 a 35 anos, prorrogáveis por igual período. Foi assim com o Parque Harmonia e vimos suas consequências.
O novo alvo é o Parque Marinha do Brasil, onde a proposta é transformá-lo em um espaço comercial, com restaurantes, bares, parque de diversões, arena de eventos, lojas, espaços de publicidade, grandes estacionamentos etc. Essas atividades comerciais são alguns exemplos, o concessionário poderá inserir outros negócios do seu interesse.
O modelo de concessão do Parque Marinha e Trecho 3 da Orla foi finalizado em julho de 2023 e enviado ao Tribunal de Contas do Estado para análise, após o que será lançado o Edital de Licitação e, por último, será assinado o Contrato de Concessão.
Inconformados com esse processo, um grupo de moradores do bairro Menino Deus, entre eles eu, que faço parte do POA Inquieta Sustentável, entre outros frequentadores do parque, juntaram-se no Coletivo Preserva Marinha, para tentar impedir essa transformação. Originalmente, o Marinha foi concebido como espaço de lazer, apreciação da natureza, caminhadas, passeios com os filhos, pets e amigos, lugar para sentar e tomar chimarrão, andar de bicicleta, exercitar-se e jogar nas quadras, tudo público e gratuito.
Pelo projeto atual, essa grande área verde deverá transformar-se num parque comercial ou shopping a céu aberto, com uso mediante pagamento, o que acarretará uma drástica mudança. Isso trará prejuízos tanto para o meio ambiente, com o afastamento da fauna, quanto para os moradores do bairro e os frequentadores do parque. Vai aumentar a poluição sonora e atmosférica, a movimentação de veículos e a alteração dos espaços disponíveis, além da perda do uso gratuito do parque.
Tentando evitar essa violenta transformação, o ATUAPOA, coletivo em defesa da cidade, obteve audiência com o Procurador-Geral do Ministério Público de Contas, Ângelo Gräbin Borghetti, e fez a entrega de um memorial no último 31 de outubro. No documento, constam preocupações e indicam irregularidades no processo de concessão, desde a inefetiva participação popular, obrigatória legalmente, passando pela ausência de estudos de impacto ambiental e de vizinhança.
Na continuidade, o ATUAPOA entregará memoriais aos Conselheiros do TCE, cuja turma apreciará o processo de concessão do Parque Marinha, procurando demonstrar não só as irregularidades cometidas pela Administração Municipal até agora, mas também os danos à cidadania. Confiamos na sensatez e na consciência pública dos conselheiros para impedir tamanha usurpação desse bem público de uso comum do povo.
*Amanda Cardoso é advogada, integrante dos coletivos Preserva Marinha, Preserva Redenção, Salve o Harmonia, AtuaPoa, conselheira da Agapan e integrante do POA Inquieta Sustentável.