É comum escutar que pessoas mais velhas têm dificuldade de criar novas amizades. Tenho um palpite a esse respeito, imagino que a gente deixa de se arriscar e experimentar novas experiências e aí perde a prática e as oportunidades de criar novas conexões sociais. Olha as crianças, adolescentes, jovens: a toda hora estão se colocando em novas experiências. Por que a gente também não faz a mesma coisa? Minha impressão é a de que, conforme vamos envelhecendo, vamos criando cascas de preconceito, medo, vergonha, o que resulta em solidão.
No princípio, é difícil fazer diferente, a gente tem que se obrigar até pegar o jeito. Nosso cérebro prefere se manter no conforto, e conforto significa manter tudo igual, como conhecido, mesmo que sentindo a dor da ansiedade, da solidão, do que mudar. Entendendo isso, precisamos aprender a desaprender. Como?
Estar mais presente, presencialmente
Um exemplo? A irmã da minha nutricionista resolveu aprender atividades nas quais ela não tem habilidade nenhuma, como canto coral e beach tennis. Adorei! Além de conhecer gente nova, ela se colocou num lugar de vulnerabilidade e humildade nessa sociedade onde o maior valor é a busca em ser o melhor, o vitorioso. Dar chance para o aprendizado, sem a pressão de ser a campeã da rodada. E fazendo novos amigos!
Outro exemplo? Nessas duas últimas semanas, não bastasse a conexão feita com duas profissionais pelo LinkedIn, marquei um café e fui conhecê-las pessoalmente. Destes bate-papos, potenciais projetos nasceram. Mas também nasceram sementes para futuras amizades.
Cuidar é mais difícil do que conquistar, mas vale a pena
Nem sempre nos damos conta, mas relações sociais e de amizade precisam de nutrição e dão trabalho para cultivar, exigem tempo e dedicação. Também não dependem só da gente. A outra pessoa há de corresponder. Há quem responda às nossas ofertas e outras amigas e amigos que não. Há quem responda de imediato e os que irão demorar precisarão de mais cultivo. E a medida do retorno também pode ser diferente. Muitas vezes a gente recebe numa medida que podemos entender como aquém daquela que oferecemos. Caberá a nós saber se vamos levar adiante e em que medida essas relações. Apesar de tudo isso, não existe nada que substitua esses vínculos preciosos que construímos ao longo da nossa trajetória, que nos constitui, protege e estimula.
Relacionamentos calorosos nos elevam nos momentos difíceis, celebram conosco nas horas das conquistas e protegem contra as pedradas que tomamos ao longo da vida.
Como já descrevi em textos anteriores, diversos estudos científicos já foram conduzidos, entre eles o da Universidade de Harvard (o mais longevo de todos, feito desde 1938), com o objetivo de estabelecer os fatores que definem o bem-estar e felicidade e que encontraram nas relações sociais de qualidade a resposta principal. Por quê? Porque uma pessoa com bons vínculos sociais e afetivos apresentará melhor saúde mental e emocional, tendo razões suficientes para querer se manter fisicamente saudável, é como se diz, uma coisa leva a outra… essa pessoa se tornará mais feliz e longeva!
Após a minha mudança, tenho reunido na casa nova amigas e amigos para que venham conhecê-la. Contatar cada pessoa ou os grupos, fazer as combinações (com as idas e vindas, pois sempre tem a agenda de cada um e cada uma para coordenar) demanda esforço, atenção, persistência. Antes de cada encontro, há toda uma preparação: o que servir, preparar a casa, as comidas, a bebida… No entanto, cada encontro é um bálsamo e uma poderosa dose de alegria e amorosidade, fruto das risadas, histórias, abraços que a gente troca, que faz todo esforço valer a pena. Mesmo que depois a gente ainda tenha que lavar, secar e guardar a louça!
Vamos combinar, as redes sociais são bons meios para se manter conversas interessantes, trocar interesses, encaminhar conteúdo bacana e coisa e tal. Porém, quando tratamos de encontros (descobri que o whats agora tem uma ferramenta para agendar evento) onde podemos falar sobre as nossas vulnerabilidades, ansiedades, solidões, ou mesmo falar as maiores bobagens e barbaridades, o olho no olho é insubstituível, mesmo que no online também seja possível.
Investir no repertório precisa de curiosidade e desacomodação, mas te torna interessante
Isso me fez lembrar o tema que a Maria Carol Medeiros trouxe no último episódio do seu podcast, o Não Te Empodero, Inspiração. Nele, ela falou da importância do repertório para a gente, sobre quando nos oportunizamos conhecer pessoas de diferentes bolhas, por exemplo. Assistir filmes novos, antigos, provocando-nos a assistir de países diferentes ao que normalmente assistimos, por exemplo, ou a ler livros de diferentes estilos e temas, quem sabe escutar músicas de cantores e bandas novas, mesmo os que normalmente não escutaríamos. Tudo é fonte para nos trazer inspiração. Tudo é repertório. Sem falar que nossos neurônios agradecem, estaremos criando novas terminações neurais com cada nova experiência que nos permitimos fazer.
E todo esse repertório, junto com as nossas experiências, nos faz ter conteúdo interno para conversas mais interessantes, mais empáticas, mais inspiradoras. Qual colega, amigo/a, familiar, conhecido/a não curte conversar com uma pessoa que tem vida interior inspiradora? Sim, você também é inspiração para alguém.
Agora, enquanto escrevo sobre repertório, lembro de puxar outro gancho, pois na semana passada, dia 21 de março, quando se comemora o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, a Associação Comercial de Porto Alegre promoveu a oficina Letramento Racial com Juliano de Castro Guedes. Parabenizo a ACPA pela iniciativa, o conteúdo foi excelente, a participação do público foi ativa e estava lotado. Entretanto, sinto que nós, pessoas brancas e privilegiadas na questão racial, resistimos a aprender a respeito do tema. No evento de alto nível, éramos 15% da audiência no máximo. Como combater o racismo, no Estado com o maior número de denúncias do país, se a gente não se abrir para aprender e se engajar nessa luta que também é nossa?
Ainda sobre essa questão do repertório, percebo o quanto é importante a conversa intergeracional. Hoje pratico com várias pessoas mais jovens e mais velhas do que eu. Mas hoje percebo que houve um tempo na minha vida com poucas conversas assim e que eu teria encurtado caminhos, provavelmente. No sentido da valorização dos Ancestrais e dos mais velhos, das raízes de onde viemos, tenho aprendido com a leitura e a convivência em ambientes com maioria de pessoas negras onde as idosas são reverenciadas, inclusive pelos muito jovens, e a Ancestralidade sempre é saudada, honrando com “Sankofa” que, de acordo com a definição de Abdias do Nascimento, indica “retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro”.
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Foto da Capa: Gerada por IA.