Não era para ser este o texto, mas não dá para fugir do que aí está. Drogas escondidas em doações. Doações desviadas para utilizações políticas futuras. O olho do “oportunista generoso” está fixado no ganho que poderá ter nas eleições, não na solidariedade. Para ele, é interessante desviar algumas doações – até porque são muitas, já disseram por aí – e guardá-las para uma “gentileza” ou, quem sabe, compra de votos. Na hora da campanha, lembram-se da fome de muita gente. No poder, esquecem.
E os desvios dos recursos partidários que são distribuídos às siglas em ano de eleição para o pagamento de despesas das legendas? E o superfaturamento dos serviços? E as verbas das emendas parlamentares? E a falsidade ideológica? Que país é este, afinal?
“Brasil / mostra a tua cara, / quero ver quem paga / pra gente ficar assim / Brasil / Qual e o teu negócio / O nome do teu sócio, / confia em mim”, cantava Cazuza em 1987. Está na hora de voltarmos a cantar para o Senado Federal e para a Câmara de Deputados. Até porque estamos caindo em um oportunismo absurdo, ancorado no conservadorismo e orquestrado por senadores e deputados seduzidos pelo poder e pelo dinheiro.
Dois exemplos!
– Um Projeto que simplesmente equipara aborto a homicídio. Uma decisão delicada como essa é tomada sem a mínima análise, sem considerar os sofrimentos que pode gerar. É um retrocesso. E a pena para a mulher estuprada, que decide pelo aborto, é maior do que a pena para o estuprador. Uma menina estuprada engravida, quer tirar e pode ser acusada de homicídio? Chegamos ao topo do conservadorismo machista e oportunista. Até porque o corpo é da mulher e é ela quem decide. E a covardia de quem vota e não quer o nome revelado?
– Uma Proposta de Emenda à Constituição/PEC que está tramitando no Senado Federal com o objetivo de proibir o porte e a posse de qualquer quantidade de droga para combater o tráfico com rigor. Na avaliação de quem trabalha com o tema, o texto da PEC não diz como isso será feito, repete boa parte do que já está na Lei de Drogas e pode trazer um retrocesso ao Brasil no debate global sobre a mudança da política em relação às drogas. Como será feita a diferenciação entre consumo pessoal e tráfico? Segundo Gabriel Sampaio, diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos, “na falta de objetividade para determinar o que seria considerada uma quantidade para porte ou para tráfico, as incidências do racismo estrutural e desigualdades no país acabam gerando graves injustiças e consequências para pessoas pobres e periféricas”.
Duas perguntas!
– Sobre a quebra de decoro parlamentar, a pergunta é: que decoro?
– E sobre a Desmoralização completa do Conselho de Ética da Câmara de Deputados, a pergunta é: que ética?
É bom lembrar que deputados e senadores que conduzem este retrocesso estão, na verdade, mais preocupados em fazer selfies nos momentos de tensão para se autopromovem. Não é trabalho! Mostram-se em busca de likes, até porque muitos dos que lá estão lá chegaram levados pelas redes sociais e se alimentam desse exibicionismo medíocre. E tudo, no final, envolve o deputado Arthur Lira em busca de um sucessor na Câmara Federal para não perder poder.
O Grupo Legião Urbana, lá em 1987, já cantava “Nas favelas, no senado / Sujeira pra todo lado / Ninguém respeita a Constituição / Mas todos acreditam no futuro da nação” (música de Renato Manfredini Júnior).
E nem vou me deter no tal empresário Chiquinho Scarpa, aquele que não gosta de pobre, e que revelou em uma entrevista que possuía uma “criação de anões”, funcionários com nanismo que contratava para tarefas caseiras: “Vinham trabalhar para mim, e eu alugava. Tinha o ‘anão’ controle remoto: antigamente, tinham vários controles. Eu tinha um anão que ficava com uma bandejinha (ao lado da cama). Eu falava: ‘canal 11’ (ele apertava o botão)”.
É possível dormir diante de tanta insanidade, desrespeito e discriminação?
Foto da capa: Agência Senado
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