Havia duas perguntas que meu pai sempre fazia lá em casa quando, numa discussão, alguém vinha com alguma afirmação categórica: “Quem que disse? Onde que cê leu?”. Ouça, leitor ou leitora, o “disse” com sotaque paulista, com “di”, não com som de “dji”, de porto-alegrense. Também o “cê”, de você, era presente na sua fala de natural de Botucatu, interior de São Paulo.
Desse modo, cresci com essa premissa aprendida em casa de saber que é preciso verificar as fontes de alguma informação. Também uma indicação do lugar de fala já vinha embutida e seria preciso se verificar quem disse algo. Há um viés pessoal que relativiza o que foi dito. Há um interesse, uma visão de mundo por trás de cada afirmação.
Outro ponto desse questionamento do seu Alcides Silvestrin é a valorização da palavra escrita. Perguntava onde foi lida a informação. Vale para ter sido extraída tanto de jornais e revistas quanto de livros. Mesmo meu pai tendo crescido na era do rádio, vendo o nascer e o desenvolvimento da televisão, acompanhando todos os dias o Jornal Nacional, pedia uma fonte de texto escrito, fiel ao preceito latino “littera scripta manet”, a palavra escrita permanece.
Ele não viveu para ver este mundo das fake news, dos grupos de WhatsApp, de guerra híbrida. No entanto, é bem provável que já estaria preparado para se defender com suas duas infalíveis perguntas que deixavam o debatedor em maus lençóis caso não tivesse de pronto as fontes do seu argumento.
É claro que o mundo contemporâneo desenvolveu tecnologias que se mostraram e ainda têm se mostrado eficientes para enlear as pessoas nas teias das informações falsas. Desvencilhar-se delas é tarefa para quem está atento o tempo todo.
O livro A morte da verdade, da crítica literária norte-americana Michiko Kakutani, descreve bem esses mecanismos de desinformação que foram usados em vários lugares pela extrema direita no mundo todo, sobretudo, nos Estados Unidos. Na leitura, para nós, brasileiros, fica evidente a similaridade dos procedimentos que elegeram Trump e o caso do recente ex-presidente do nosso país.
Uma das teses do livro, que renderia um bom debate, é mostrar como o próprio pensamento do nosso tempo, que considera que não existem verdades absolutas, mas sim diferentes pontos de vista, abriu espaço para, no limite, incluir a mentira deslavada como uma das visões possíveis. Vivemos um ambiente de morte da verdade.
O ambiente de rede da internet apresenta um cardápio infinito de posições sobre todos os assuntos. Colocar em pé de igualdade, entretanto, a afirmação de um cientista, de um especialista, seja de qualquer área, mesmo com todas as limitações que o saber sempre em transformação carrega, com a de um leigo, é estratégia que tem um objetivo por trás. Na história recente, serviu para incentivar o desprezo pelo conhecimento e pelos direitos humanos, taxados de coisas de comunistas, de gente de esquerda.
Agora que, no Brasil, um governo com um espectro de frente ampla e democrática, que vai da esquerda à direita, venceu as eleições, é preciso observar se os movimentos políticos de uma determinada parcela da oposição, notadamente a do campo que perdeu, vai insistir nas mesmas estratégias de disseminação de notícias falsas que a levaram tanto à vitória quanto à derrota. Resta saber como esse tipo de conduta vai ser enfrentado pelo atual governo.
Por fim, quando a minha mãe, gaúcha de Santa Maria, se enchia da verificação de fontes do meu pai, respondia: “Quem que disse, quem que disse?! Eu que disse, homem!”.