Nesse artigo, falo de consumo consciente, consciência racial e enchentes no Rio Grande do Sul. Se você se interessa pelos três, é legal ler todo o texto. Mas, se “tá na correria”, pode avançar nos subtítulos e ler os tópicos específicos.
Consumo consciente
No início dos anos 2000, comecei a me interessar por leituras e práticas sustentáveis – econômicas, sociais e ambientais -, bem como pensá-las e colocá-las em discussão, seja na produção de conteúdo jornalístico e acadêmico ou no cotidiano, como cidadão.
À época, as fontes de informação online não eram tão abundantes e acessíveis como atualmente. Os livros ainda eram raros nessa especialidade. Naquele período, por volta de 2001, emergia a discussão sobre Terceiro Setor, Responsabilidade Social Empresarial, Investimento Social Privado, Hélice Tríplice, Objetivos do Milênio da ONU, Fórum Social Mundial e, também, o tema do consumo consciente. E é esse que vou abordar aqui.
Entre os referenciais iniciais, encontrei o então recém criado Instituto Akatu. O nome já despertou curiosidade e simpatia. De origem tupi, significa “semente melhor, mundo melhor”. Ou, como o site dessa organização sem fins lucrativos avança na interpretação, “indivíduo bom, coletivo melhor”.
Por definição, de maneira bem resumida, consumo consciente significa “um consumo diferente, sem excessos nem desperdícios, que gera um melhor impacto para o próprio consumidor, o meio ambiente, a economia e a sociedade”, conforme o glossário da entidade. Guarde esse conceito. Vou retomá-lo daqui a pouco.
Consciência Negra no século 21
Nas duas últimas décadas o Brasil evoluiu em políticas públicas dedicadas à reparação histórica frente às desigualdades sociais vivenciadas pela população negra. Houve um visível avanço no debate racial. Um conjunto de fatores pode ser listado, desde a repercussão da mobilização do Movimento Negro, ressignificado a partir dos anos 1970, passando pela Constituição de 1988, até o uso das novas tecnologias de informação e comunicação. Porém, citarei apenas quatro:
- A alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), por meio das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, para incluir a obrigatoriedade das temáticas “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, no currículo escolar público e privado, do ensino fundamental ao médio.
- O Programa Universidade para Todos (ProUni), criado em 2004, que tem como finalidade conceder bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação e de cursos sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior.
- A chamada “Lei de Cotas”, 12.711/2012, que reserva no mínimo 50% das vagas das instituições federais de ensino superior e técnico para estudantes de escolas públicas, que são preenchidas por candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.
- A lei 12.990/2014, que estabelece a reserva de 20% das vagas de todos os concursos públicos federais (com três ou mais vagas ofertadas) para pessoas negras.
São apenas quatro, entre tantos exemplos disponíveis (você pode colaborar com mais iniciativas nos comentários). Todos ligados à Educação e ao Trabalho/Emprego. Mas, se relacionados a iniciativas que se desdobraram a partir deles, mostram conquistas reivindicadas há décadas. E isso se expande atualmente para no campo da iniciativa privada, com a adoção de políticas de Diversidade, Equidade em Inclusão que, mesmo timidamente, representam novos espaços e conquistas para o Povo Negro.
Educação gera consciência. Conscientes, as pessoas se tornam críticas. Com criticidade, trabalho e poder aquisitivo, passam a consumir mais e melhor. E, respeitadas quanto às suas origens, crenças e tradições, fomentam o “black money”, uma economia engajada e dedicada a fortalecer empreendedoras e empreendedores negras e negros. Isso gera transformação social, tirando pessoas de condições socioeconômicas desfavoráveis, levando-as a novos patamares, projeções e realizações. Dessa forma, podemos conectar consumo consciente e consciência racial.
Recentemente, em abril de 2024, foi divulgado o estudo “Consciência Racial e Consumo: um olhar para as múltiplas dimensões dos consumidores negros brasileiros”, elaborado pelo Espaço Sintonia com a Sociedade. Nesse material, é mencionado que “à medida que um indivíduo fortalece sua identidade racial, há também um aumento na conscientização sobre como a desigualdade afeta sua vida e também sobre como suas decisões de consumo têm o potencial de influenciar a indústria e a cultura”.
O levantamento realizou a análise qualitativa e quantitativa do comportamento de consumidores negros, realizando oito perguntas. Na análise das respostas, foram identificados quatro grupos com comportamentos de consumo: os não engajados, os utilitários, os conectados e os engajados. Dentre os perfis demográficos, os conectados (27%) e os engajados (22%) são mais jovens (têm entre 18 e 35 anos) e apresentam maior índice de escolaridade.
Ou seja, educação + informação = consciência e engajamento. Isso lembra o início desse texto, onde vimos que o consumo consciente “gera um melhor impacto para o próprio consumidor, o meio ambiente, a economia e a sociedade”.
Agora, vamos às enchentes.
Impactos das enchentes do RS sobre o afroempreendedorismo
As enchentes que atingiram o RS no mês de maio deixaram várias consequências. Mas a “culpa” não é só da chuva. O negacionismo climático aliado à falta de políticas públicas e à ausência e negligência de governantes sobre o impacto das ações humanas como motivadoras dos eventos climáticos extremos ampliam a dimensão dessa tragédia, que levou mais de 170 vidas e desabrigou 77 mil pessoas.
Nesse cenário, afroempreendedores foram diretamente atingidos, tanto em suas residências quanto ambientes de negócio. No ramo da gastronomia, o Griô Burger, primeira hamburgueria antirracista do país, teve de encerrar suas atividades no Estádio Beira-Rio, tamanho foi o prejuízo material. Para viabilizar seu negócio, o empreendedor Luiz Sampaio terá de produzir em outro espaço seus produtos. O restaurante Casa da Dona Ilaídes, situado na Av. Júlio de Castilhos, no Centro Histórico, é outro estabelecimento duramente prejudicado, mas que resiste e tem sua reabertura programada para esta segunda quinzena de junho. Na economia criativa, a Blaxp teve de interromper uma formação de lideranças negras, em um curso híbrido que estava programado para acontecer de abril a junho.
Levantamento de dados sobre impactos aos afroempreendedores
Esses são alguns exemplos de negócios ligados à Odabá Afroempreendedorismo, embora muitos outros tenham sido fragilizados, em Porto Alegre e Região Metropolitana. Todos esses empreendimentos seguem existindo, se reinventando e buscando apoio por meio de linhas de crédito e financiamentos disponibilizados pela esfera governamental. Inclusive, para que seja elaborado um plano de auxílio mais efetivo, com o apoio da Frente Parlamentar do Afroempreendedorismo da Assembleia Legislativa do RS, foi criado um formulário que permitirá o levantamento de dados atualizados sobre os efeitos das enchentes. Se você é ou conhece um(a) afroempreendedor(a) gaúcho atingido, use ou compartilhe esse link: bit.ly/ajudars-afroempreendedor.
Para saber mais sobre afroempreendimentos nas áreas de tecnologia, educação, moda, artesanato, consultoria e saúde, entre outros, na Capital do RS e proximidades, acesse a Odabá aqui.
Para fortalecer o black money, é necessário que as pessoas consumam, de forma consciente, de empreendedores e empreendedoras negros. Assim, se constrói transformação social. Isso é resgatar a essência de ser uma pessoa com consciência de que é parte de algo maior e coletivo. Em uma palavra: Ubuntu!
Fontes:
Instituto Akatu
Globo Gente
Griô Burger
Odabá Afroempreendedorismo
*Eduardo Borba é jornalista, mestre em Comunicação, especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão.
Foto da Capa: Freepik
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