No mundo contemporâneo brasileiro, está cada vez mais difícil saber o que é apenas sexo e amizade, namoro, caso, “brincar de casinha” de vez em quando, união estável ou casamento, o que torna muito difícil saber qual o regramento jurídico deve ser aplicado a cada caso.
Olhei no dicionário Oxford e encontrei a seguinte definição para namoro:
- Ato ou efeito de namorar.
- Relação de namorados.
- “Um n. que se prolongou em noivado, mas não chegou ao casamento.”
Li em um site um texto atribuído ao Arnaldo Jabor, que define que “Namorar é algo que vai muito além das cobranças. É cuidar do outro e ser cuidado por ele, é telefonar só para dizer bom dia, ter uma boa companhia para ir ao cinema de mãos dadas, ter alguém para fazer e receber cafuné, um colo para chorar, uma mão para enxugar lágrimas, enfim, é ter alguém para amar. Somos livres para optarmos! E ser livre não é beijar na boca e não ser de ninguém. É ter coragem, ser autêntico e se permitir viver um sentimento.”
No mundo real, cheio de desavenças que chegam aos tribunais, há quem entenda que seja uma relação afetiva sentimental com ou sem sexo, anterior e inferior ao casamento. Essa definição continua sendo vaga e até otimista, pois não considera que algumas pessoas namoram e se casam por um projeto de vida, sem que estejam apaixonadas ou se amando. Namoram porque está na hora de sair de casa, ter uma festa linda de casamento e filhos, por exemplo. Sem falar nos “namoros” ou “casamentos” por interesse, em que o que conta mesmo é a oportunidade de melhorar de vida sob o ponto de vista econômico, mas que não chegam a ser totalmente um “estelionato sentimental”, embora uma das partes não esteja de fato envolvida sentimentalmente, em que pese até queria bem ou simpatize com a “cara metade”, e possa até se tornar um excelente marido ou mulher.
A vida sexual do casal tampouco ajuda muito para definir do que se trata, pois duas pessoas podem ser casadas “pelas duas leis”, a dos homens e a de Deus, e terem uma relação aberta sob o ponto de vista sexual, ou serem infiéis, mas ninguém terá o direito de divorciá-los se não for a intenção de pelo menos um deles e de dizer que eles não são casados. E se for um trisal, por exemplo, como deverá ser aplicado o direito? Aliás, é muito comum que, com o passar do tempo, não exista mais o ato sexual entre casados, e que haja uma anuência expressa ou tácita para que eles tenham suas vidas sexuais em dia com outras pessoas ou que ambos “pendurem as chuteiras”.
Por outro lado, algumas pessoas funcionam muito bem como amantes sem que exista entre elas qualquer compromisso ou intenção de namorar ou constituir uma relação sentimental ou família.
Portanto, é muito difícil para o legislador e para os operadores do direito aplicarem o melhor direito adequado a cada caso concreto.
Como as relações amorosas, sexuais ou de mero interesse não raramente têm consequências patrimoniais, é importante que as partes envolvidas tratem de proteger seu patrimônio pessoal, o que é bem mais fácil do que proteger a própria autoestima quando resolvem “brincar de casinha” e a casa desmorona. Assim, é melhor ter um contrato regulando o que fazer quando uma relação amorosa acaba, do que ficar sem saber o que fazer, como lindamente descrito no trecho da música “How Insensitive”, de Antônio Carlos Jobim, em que se diz “What can one do When a love affair is over” (“o que alguém pode fazer quando um caso de amor acaba”).
Dessa forma, surgiu o Contrato de Namoro, excelente para aqueles que estão se conhecendo, se envolvendo de forma contínua e acabam naturalmente ou de forma planejada passando a maior parte do tempo juntos, sem que isso signifique um compromisso de casamento ou de constituir família. Se passarem a dormir juntos quase todas as noites, e isso acontece muito, ou até mesmo a morar juntos, estaremos então diante de um “namoro qualificado”, com todas as incertezas e acepções que essa expressão pode conter.
Uma solução mitigadora de riscos é o contrato de namoro, que deve ser redigido considerando as realidades de cada um, o acordo que houver entre os integrantes sobre os ganhos que cada um tiver patrimonialmente enquanto estiverem juntos, as despesas que caberão a cada um deles, o prazo de vigência do contrato, o que acontecerá depois e, até mesmo, determinar sobre o destino dos bens que adquirirem juntos e quem ficará com o cachorrinho comprado durante o namoro, pois se até amigos podem comprar bens em sociedade, os namorados também podem e fazem isso com frequência, especialmente na hora de montar a casinha, o que muitas vezes acaba por caracterizar a união estável. Sem falar que esses namorados podem ter assumido obrigações conjuntamente para empréstimos, locações, serem fiadores um do outro etc. Dependendo de como foram realizadas tais transações, obviamente há o risco de ser reconhecida a união estável. Para evitar surpresas, ainda que o contrato de namoro não estabeleça o regime de bens por não configurar uma união estável, é sempre bom procurar um advogado da confiança de ambos para deixar bem claro o que acontecerá caso o namoro termine por qualquer motivo.
Saliente-se, esse contrato não serve para disfarçar o que é de fato uma união estável, em que as pessoas têm claramente a intenção de constituir família e são vistas pela sociedade como um casal. A realidade fática deve preponderar, não adianta fazer um contrato de namoro se houver de fato uma união estável. Sobre a união estável, vale dar uma lida no artigo que publiquei aqui na Sler, em 15 de julho de 2024, sobre união estável e pacto antenupcial.
Vejam algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito do contrato de namoro:
“Nessa ordem de ideias, pela regra da primazia da realidade, um “contrato de namoro” não terá validade nenhuma em caso de separação, se de fato a união tiver sido estável… A contrário senso, se não houver união estável, mas namoro qualificado que poderá um dia evoluir para a união estável, o “contrato de união estável” celebrado antecipadamente à consolidação desta relação… Na diretriz da Súmula 382 do STF, o mesmo domicílio, por estar longe de constituir união estável, não vem sendo mais considerado essencial à configuração da vida more uxório.”
“CONTRATO DE NAMORO. DESCARACTERIZADO. IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA CONVIVÊNCIA. SUB-ROGAÇÃO NÃO COMPROVADA. PRESUNÇÃO DE ESFORÇO COMUM. DIVISÃO IGUALITÁRIA. 1… O contrato de namoro pode servir como elemento de prova num processo judicial, mas não possui validade para blindar, esquivar ou libertar os envolvidos das consequências da realidade, do estado de fato… Além da negativa de prestação jurisdicional, sustenta, em síntese, a impossibilidade de partilha do imóvel entre as partes uma vez que houve a celebração do contrato de namoro disciplinando a questão.
“Namoro não é casamento/união estável, bem como noivado não é casamento/união estável, namoro é apenas um período para os indivíduos se conhecerem e noivado é uma preparação para o futuro casamento. […de namoro, para evitar disputas, sobretudo patrimoniais, em caso de fim de relacionamento… teto para que se presuma a intenção de constituir família e haver união estável, e justamente por este motivo, atualmente existe um grande número de pessoas buscando a formalização destas espécies de contrato.”
Um dos maiores problemas é como um namorado ou namorada deve tocar nesse assunto com a pessoa amada. A chance de levar um fora é imensa, especialmente pelos jovens que costumam ter corações mais românticos e são mais suscetíveis a se ofenderem do que pessoas de meia-idade ou idosas, já calejadas pela realidade. Assim, considero que esse tipo de contrato é ideal especialmente para esse pessoal mais vivido, que já casou, teve uma ou duas uniões estáveis ou ficou viúvo, já teve filhos, já trabalhou muito, construiu seu patrimônio pessoal e quer ter um envolvimento pessoal sem todo o comprometimento e peso de uma união estável ou casamento, bem como resguardar seu patrimônio e a herança dos seus entes queridos.
Finalizando, escrevo esta sábia lição de Vinicius de Moraes que, assim como eu, acreditava no amor:
“Eu possa me dizer do amor (que tive) Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure.
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