O tema parece prosaico ou mesmo sem importância, nos esforçaremos, no entanto, em provar o contrário. Foi Charles Pierce (1839-1914) quem nos explicou o que significa o termo “Semiótica” como sendo a teoria geral das representações que leva em conta os signos ou símbolos sob todas as formas de manifestações escritas, orais e de sinais. Mais tarde, em 1938, Charles Morris (1901-1972), num artigo, “Fundamentos da Teoria dos Signos”, foi mais preciso ao definir Semiótica como “a ciência das comunicações, estudada através dos signos e dos símbolos para detectar como eles operam na atividade humana”.
Anteriormente, a Semiologia foi definida por Ferdinand Saussure (1857-1913) no Curso de Linguística Geral (editado pela primeira vez em 1915), da seguinte forma: “Pode, portanto, conceber-se uma ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social; ela constituiria uma parte da psicologia social e, por conseguinte, da psicologia geral; nós chamá-la-emos semiologia (do grego semeion, signo). Ela ensinar-nos-ia em que consistem os signos e as leis que os regem.”
Signos, símbolos representam uma espécie de “dica” que nos convida a imaginar uma totalidade ausente. É uma coisa que lembra outra coisa. A linguagem articulada é feita de símbolos, como também as manifestações artísticas, as políticas, as religiosas. As notas musicais, os sinais de trânsito e os das portas dos banheiros também.
Para os antigos gregos, “signos, símbolos ” representavam uma parte, um pedaço, um resto, um sinal que testemunhava as entidades às quais pertenciam. Assim, um hino nacional é símbolo da totalidade da história, real ou imaginária, de um país. Uma cruz é o símbolo do cristianismo, um “bottom” nos informa que seu portador faz parte de uma ideologia, um movimento ecológico, um clube esportivo, etc., etc.
Em outras épocas, duas pessoas que se amavam e resolviam temporariamente se separar quebravam uma ânfora ao meio e cada uma guardava a metade. Se um dia um dos ex-amantes desejasse enviar uma mensagem ao outro, entregaria ao portador a parte quebrada. O destinatário a cotejaria com seu fragmento e, se encaixasse perfeitamente com o pedaço que guardara, estaria garantida a autenticidade da mensagem.
Da mesma maneira, os semiologistas cotejam “partes quebradas” de um todo, rastreiam símbolos de uma cultura, elaboram interpretações, iluminam porções do mundo e traçam um perfil, uma ideia de algo maior a partir de “lascas” de realidades.
Por outro lado, a lingüista argentina Ivone Bordelois (1935-) afirma que a “semiologia contemporânea encerra, entre outros ramos da hermenêutica, também a etimologia, ou seja, a exploração e pesquisa de um saber profundo, muitas vezes esquecido, encerrado e enterrado nas palavras”. (Etimologia de las Pasiones, Ed. Zorzal, 2006). E também, acrescentamos, saberes contidos nos signos e símbolos do mundo e da cultura em que vivemos. E o título, Semiótica de Banheiros, por parecer estranho e prosaico, como avisamos, necessita uma explicação.
Tivemos informações de que num congresso de Semiologia realizado em Paris há alguns anos, entre outros temas, foi discutido o problema de como sinalizar as portas dos banheiros públicos. Exigência dos Semiologistas homossexuais, representando uma forte reivindicação de gays e travestis, de pessoas com identidade queer ou de gays com claras performances do sexo oposto e que não se sentiam à vontade nos banheiros masculinos, onde não raras vezes eram ridicularizados até agredidos e, por outro lado, lhes eram vedadas as toilettes femininas. A figura de um homem ou de uma mulher, uma cartola ou um leque, as palavras homens ou mulheres ou um simples Eles ou Elas, nenhum desses signos lhes pareciam semiologicamente suficientes e definidores de seu assumido gênero.
Após árduas e prolongadas discussões, o tema foi adiado para um próximo evento de Semiologia. Não sabemos, até hoje, se novos debates foram realizados posteriormente, mas ficamos pensando que, realmente, diante da restrita e irreal limitação dualística dos gêneros, que segundo Lawrence Durrel (1912-1990) são no mínimo cinco e Judith Butler (1959-) afirma serem mais numerosos, tornar-se-á necessário em breve construir banheiros para homossexuais, gays, lésbicas, travestis, drag queens e sinalizá-los com símbolos e signos adequados.
Aceitam-se sugestões.
Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras
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