Chega aqui, amigo velho, não repara a bagunça.
Estou meio atrapalhado. Não tenho nem mate pra oferecer. Minha casa virou tapera. Salvei a cuia e a bomba. Perdi a erva e a chaleira. Até o meu pingo se foi… levado pela enxurrada.
Senta aí no tronco da figueira, a velha árvore, da sombra amiga pra charla e o chimarrão, agora taí deitada, com a raiz pra fora, um monumento à nossa incompetência para cuidar da natureza.
Aliás, incompetência nossa, não. Incompetência, descaso, ganância, sei lá… de quem a gente escolhe para organizar e cuidar das nossas cidades, dos rios, dos lagos…
Agora, só resta esperar que o céu clareie um pouquinho pra trabalhar com afinco na reconstrução do ranchinho.
A reconstrução do ranchinho…isso é força de expressão, amigo velho, a casa de um gaúcho, qualquer que seja o tamanho, sempre será mansão onde não falta abrigo pra quem lhe pedir a mão.
Pra quem lhe pedir a mão. É verdade, amigo velho. Não faltará bom abrigo pra ninguém neste rincão, pois não há furacão que abale a esperança que dá energia pra quem leva no coração a força da liberdade que brota dessa vontade de seguir sempre adiante.
Isso, seguir sempre adiante. Mirando o horizonte em busca da utopia, sempre com esperança de alcançá-la um dia e viver como devia
Sem medo e com temperança.
É…sem medo e com temperança. Pra alcançar qualquer dia essa tal de utopia. Talvez ela esteja ali, detrás daquela coxilha, na água mansa da sanga que, depois do temporal faz cantar o Quero-Quero, renascer as flores do campo e renova a esperança de que um dia, quem sabe, será verdade o que diz a velha bandeira gaudéria: Liberdade, Igualdade, Humanidade.
Obrigado amigo, pela visita. E pode ter certeza! Da água dessa enchente vai brotar, com muita força, o verde da esperança.
Até mais, meu amigo velho. E, se não for pedir muito, peço que nossos políticos prestem atenção no jeitão do povo para enfrentar essa tragédia, em boa medida provocada por eles. Quantas lições de administração da coisa comum, de coragem para enfrentar dificuldades, de espírito público eles vão tirar do comportamento dos atingidos pela tragédia?
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