Qual a relação do resultado da Conferência das Partes do Clima 29 (COP) com a manifestação de moradores do bairro Menino Deus, em Porto Alegre, no sábado, dia 23 de novembro? Muitos habitantes da capital gaúcha têm se posicionado contrários à construção de prédios altos em uma zona vulnerável a alagamentos, que vai interferir no microclima em boa parte da cidade. Tudo está interligado. Os desastres que vêm acontecendo com maior frequência evidenciam a necessidade de enfrentamento à emergência climática e exigem medidas locais, que considerem a crise global. Para completar, nas redes sociais circula muita desinformação. Esta matéria aqui chama a atenção para esse assunto.
A natureza vem sendo atacada por todos os lados, apesar de incessantes avisos de técnicos de cientistas sobre a necessidade de cuidá-la. E a legislação ambiental, construída a muitas mãos, consolidada na Constituição de 1988, que prevê a participação da sociedade, tem sido desmontada, carcomida pelos órgãos que deveriam defendê-la, de várias formas. Exemplo nítido é o que vem acontecendo na finada Secretaria Municipal de Meio Ambiente da capital gaúcha e nos conselhos onde a pauta socioambiental é tratada.
Este texto procura mostrar que o nosso problema local e global envolve várias camadas. Vamos fazer de conta que é uma cebola. E alguns bichinhos, fungos, vêm penetrando nesse vegetal. Talvez a única saída seja ocorrer mais desgraças para que os tomadores de decisão considerem o que é mais importante: a sobrevivência das pessoas ou o dinheiro para uma minoria.
Todos sentem que o clima está diferente. Por isso, precisamos nos preparar para os impactos decorrentes do agravamento do clima devido ao aumento da temperatura. É crucial tentar sair daquele lugar de crenças e certezas de que dá para continuar fazendo tudo como no século XX. E, por favor, antes de dar opinião nas redes, confira de onde vem a informação que você leu ou ouviu. Um dos maiores desafios da humanidade é a propagação de desinformação, mentiras que vêm sendo planejadas por quem se beneficia com a extração de combustíveis fósseis.
Primeiro ponto a que precisamos estar atentos: é preciso que a sociedade, governos, empresas, todos os segmentos estejam atentos ao momento em que vivemos. Provavelmente, quem esteja decidindo os rumos do desenvolvimento hoje não esteja vivo, não se preocupe com as gerações que estão vindo. É urgente ter vontade política em todas as instâncias para que sejam atenuados os efeitos do agravamento da subida da temperatura. E esse é um ponto nevrálgico, tanto com o que tem acontecido na COP, quanto o que tem ocorrido em Porto Alegre e outras cidades.
No Seminário Mudanças Climáticas: as três fases do desastre, promovido pelo Ministério Público do RS, nos dias 21 e 22 de novembro, ficou evidente o quanto falta uma coordenação, uma articulação entre todas as instituições das três esferas de governo para ações de adaptação e mitigação climática não só no RS, mas no País.
A procuradora de justiça Sílvia Cappelli, do GabClima, criado há um ano pelo MP gaúcho, depois dos desastres de 2023, elencou alguns aprendizados e desafios com os quais tem se deparado, especialmente depois da experiência deste ano. O enfrentamento para se prevenir e remediar desastres exige atuações interdisciplinares que envolvem percepção de risco da população (algo intimamente ligado com a mega obra prevista pelo grupo Zaffari no Menino Deus em uma área vulnerável); maior sinergia entre as múltiplas competências dos órgãos de governo; deficiência da Defesa Civil (principalmente em pequenos municípios, quem atua são CCs (cargos de confiança); emprego de Soluções Baseadas na Natureza (SBN) para obras estruturais e na cidade (precisamos de mais árvores, de mais área para retenção de água da chuva e menos asfalto).
À medida que ia fazendo as entrevistas e distribuindo para grupos, recebi muitos retornos sobre o descontentamento de ambientalistas e de gente que acompanha de perto o desmonte dos mecanismos de proteção ambiental sobre a atuação das três esferas de governo e, principalmente, do MP. Os parlamentos, em todos os níveis: federal, estadual e municipal – também não têm colaborado na proteção do ambiente e na adaptação climática.
A ampliação da conscientização sobre o contexto é algo que envolve mecanismos de poder e um inconsciente coletivo que forjou nas mentes que podemos controlar a natureza e fazer dela o que quisermos. Exatamente o que vem acontecendo ao nível global. Em vez de diminuírem as emissões, aumentaram. E muito. A temperatura já subiu os 1,5 graus, que havia sido definido como teto pelo Acordo de Paris.
Vale citar o que vem alertando o Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres:
“Nosso planeta está tentando nos dizer algo, mas parece que não estamos ouvindo. Estamos quebrando recordes de temperatura global e colhendo o que plantamos. Estamos em um momento de crise. Agora é a hora de mobilizar, agir e entregar”.
E nesta COP no Azerbaijão, os países ricos, principais responsáveis pelo lançamento de Gases de Efeito Estufa (GEEs), irão financiar 25% do necessário – US$250 bilhões – para auxiliar os países pobres e em desenvolvimento na adaptação, quando o valor calculado como necessário é US$1,3 trilhões de dólares até 2035. É claro que precisamos de dinheiro para fazer as mudanças necessárias para a transição não só energética, mas cultural, de que precisamos cair na real sobre o momento civilizatório em que estamos inseridos.
Por tudo isso, precisamos saudar e valorizar iniciativas que tentam chamar a atenção para o quanto nossas escolhas têm agravado o contexto lá e cá. Cumprimento as promotoras que estão fazendo o que podem para chamar a atenção de governos, da sociedade, de todos os segmentos possíveis sobre a gravidade do momento. O RS está localizado numa região de grande ocorrência de desastres. Se as crises vieram para ficar, como já antecipou Bauman e Bordoni (2014), é imperativo acordarmos para a necessidade de que vamos ter que nos habituar a conviver com elas.
Entrevistas mostram avanços e desafios
Confira as entrevistas que fiz no evento e constate o quanto a situação apontada de lá e aqui tem tudo a ver. Elas estão no meu perfil @silmarcuzzo. E me siga por lá.
- a organizadora do evento Três Fases dos Desastres, Ana Maria Marchesan, que dá sua opinião sobre a atuação do MP com relação aos Comitês de Bacia Hidrográfica;
- a promotora de justiça de Santa Catarina, Fernanda Dutra, que conta que o Estado vizinho criou uma estrutura similar ao GabClima;
- a procuradora de justiça Sílvia Cappelli explica as ações e iniciativas do GabClima;
- o especialista em desastres climáticos Marcoz Kazmierczak avalia o evento e o contexto;
- a professora de Meteorologia da UFSM, Nathalie Boiaiski, fala da importância de se ter uma sinergia entre todos os órgãos de governo e sobre a necessidade de valorização dos metereologistas.
Todos os textos de Sílvia Marcuzzo estão AQUI.
Foto da Capa: Reprodução do Facebook