Às vésperas de mais uma Copa do Mundo, super recomendo “Um Outro Futebol – pequenas histórias da bola”, do jornalista Roberto Jardim, que nos mostra as centenárias relações entre o futebol e a política. A obra nos lembra os melhores momentos de Eduardo Galeano, referência do autor.
Roberto faz um verdadeiro gol de placa ao escalar o futebol feminino no livro, trazendo tanto a luta das superestrelas do esporte por igualdade como a história de resistência do esporte no Brasil. Outro golaço são as histórias do futebol de várzea, tão importante para o futebol nacional e em vias de extinção.
Mas o autor também nos conta histórias das Copas, como a de 1934, oferecida a Mussolini e a de 1978, realizada pela sangrenta ditadura argentina. Em poucos dias, a bola vai rolar e a política também será assunto, apesar dos protestos da FIFA.
O Qatar é um pequeno emirado situado entre dois gigantes rivais: a Arábia Saudita, pró-EUA, líder do mundo sunita por sua riqueza e sede dos lugares sagrados vinculados à vida de Maomé, exportadora da vertente wahabista do Islamismo e o Irã, anti-EUA, centro do mundo xiita, exportadora da fundamentalista Revolução Islâmica.
Apesar do pequeno tamanho, o Qatar vem tentando se impor como uma nova potência regional, sem um alinhamento automático a nenhum dos dois vizinhos. Por um lado, parece mais ocidental que a Arábia Saudita e por outro, é mecenas de grupos fundamentalistas afinados com Teerã. A disputa pela hegemonia local levou a uma série de crises com a Arábia Saudita, inclusive com a imposição de sanções ao pequeno emirado.
A estratégia qatari é baseada principalmente no chamado “soft power”, aquele que busca usar a influência cultural e midiática para atingir seus objetivos. O primeiro reflexo desta estratégia foi o estabelecimento da Al Jazeera, a chamada CNN do mundo árabe. A rede de televisão estabeleceu um novo padrão na imprensa árabe, falando de assuntos até então proibidos, entrevistando autoridades israelenses e apoiando as revoltas por democracia no mundo árabe. Os críticos ironizam que a rede fala de todas as ditaduras árabes — menos a do Qatar, seu dono.
Parte importante desta estratégia são os esportes. Antes da Copa, o Qatar já vinha sendo sede de várias competições internacionais e vem montando seleções para competir nelas. No Mundial de Handball de 2015, sediado pelo emirado com a final jogada na capital Doha. A polêmica seleção nacional, formada por 13 atletas naturalizados e 4 locais, chegou à final de uma competição marcada por acusações de benefícios da arbitragem para o país-sede. Não só os jogadores eram estrangeiros, mas o técnico também era. Até mesmo torcedores espanhóis foram contratados para torcer pela seleção árabe.
O Qatar também patrocina grandes equipes de futebol como o Barcelona e comprou o Paris Saint Germain, clube de Neymar, Messi e Mbappé, em uma negociação que envolveu o ícone do futebol francês Michel Platini e o presidente Sarkozy (futuro vizinho de Neymar).
A cereja do bolo dessa estratégia é a realização do primeiro Mundial em um país árabe e muçulmano no Qatar, debaixo de acusações de abuso de direitos humanos, LGBTfobia e utilização de trabalho em situações análogas à escravidão com a morte de milhares de pessoas para a construção dos estádios.
Nada disso abalou a FIFA e o mundo do futebol, que segue sendo regado pelos petrodólares qataris. O importante é que a bola siga rolando e o dinheiro entrando nos cofres da bilionária FIFA.