A coragem coletiva por semântica é feminina, mas a afirmação “A coragem feminina é coletiva” entre aspas e descrita no campo do google nos remete a um podcast e não é sobre ele que estou escrevendo este texto. Coragem vem da palavra coração, isso acredito que todo mundo já sabe, o que muitas de nós talvez não soubéssemos é que, etimologicamente falando, coletivo vem de colher junto.
Colher é ação, é um ato, um agir e aqui te convido a colher junto.
Nossa coragem individual nunca foi suficiente para que conseguíssemos mover os moinhos e mudar os giros, inverter rotações demanda força. E coragem é ação, ou seja, dentro das nossas caixinhas, sugerir que dentro de uma delas você tem coragem, vou lhe questionar, para quê? Ter coragem não é uma qualidade, porque se precisamos ter é porque sofremos uma resistência histórica de existência, enfrentar opressão, superar estereótipos de gênero e discriminações no mercado de trabalho, discriminação e violência ao longo da história, batalhas, guerras e fogueiras por igualdade de direitos e oportunidades. Tudo isso não pode me dar o atributo de corajosa e sim de cansada.
Hora de citar as mulheres.
Margaret Mead revolucionou os estudos antropológicos ao colocar como objeto de estudo as mulheres, as crianças e as diferenças de gênero, sendo que no seu primeiro livro Sexo e temperamento em três sociedades primitivas ela comprovou que sempre foi a cultura que nos tornou dóceis, passivas e afetuosas e é dela a afirmação: “Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos sensatos e comprometidos podem mudar o mundo. De fato, são os únicos que conseguiram isso”[1].
Gloria Anzaldua fala de nosotras (nós no feminino). Sua teoria “nos/otras” discute que a partir de coletividade, as diferenças entre nós ainda existem, mas é possível reconhecer e criar uma ponte nas distâncias, entre as distâncias: “Sobreviver aos estresses e traumas da vida cotidiana e desenvolver uma visão espiritual-imaginal-política juntas”[2].
Marcia Tiburi[3] traz um capítulo com o título O feminino é o contrário da solidão no qual encontro a belíssima máxima: “O feminino nos ajuda a ver que somos todas irmãs umas das outras e que essa posição horizontal está no âmago da vida das mulheres”.
E aqui acredito muito mais no conceito de Dororidade de Vilma Piedade[4]: “Quando eu argumentei que Dororidade carrega, no seu significado, a Dor provocada em todas as Mulheres pelo Machismo, destaquei que quando se trata de Nós, Mulheres Pretas, têm um agravo nessa Dor, agravo provocado pelo Racismo. Racismo que vem da criação Branca para manutenção de Poder… E o Machismo é Racista. Aí entra a Raça. E entra Gênero. Entra Classe. Sai a Sororidade e entra a Dororidade.”
Sororidade é um termo utilizado com frequência para falar da união e da solidariedade entre mulheres, do latim “soror” – “irmã” e, por essa irmandade, se sugere o termo ao apoio mútuo entre as mulheres em um mundo que sempre as colocaram em competição e rivalidade.
Apoiar não é colher juntas, me perdoem as defensoras ferrenhas do conceito da sororidade, mas o coletivo que trago aqui é da unha com terra, é da colheita lado a lado. Nada de acolhimento? Sim, afago e afeto sempre bem-vindos, acolher desde que se permita e se proporcione colocarmos todas nós em pares, na horizontalidade.
E para que essa horizontalidade seja um hoje e não um amanhã, um ideal de organização social, a construção perpassa por engajamento de quem quer que seja.
A capacidade de identificar oportunidades de negócios, desenvolver novas ideias, assumir riscos e criar novas empresas ou projetos, ou seja, o empreendedorismo feminino pode ser visto como um ato de coragem feminina. E, sim, um ato de coragem feminina coletiva, frente à falta de acesso a financiamento, à desvalorização do trabalho feminino, a dificuldade de conciliar a vida profissional e pessoal, barreiras culturais e sociais que limitam suas escolhas profissionais.
Nos últimos anos, as mulheres cada vez mais buscam se unir em redes, plataformas e associações para trocar informações, realizar parcerias e conseguir acesso a financiamento e recursos, ou até mesmo em busca de aceleração de suas carreiras, afinal porque ainda precisamos andar só se com nosotras podemos estar.
E falando em empreendedorismo, em ato de coragem feminina coletiva, você já ouviu falar da Odabá – Associação de Afroempreendorismo?
A Odabá é um ecossistema de mentes — de homens e mulheres, em sua maioria — que batalha pela construção de um espaço de pertencimento; é uma comunidade que acolhe e fortalece, profissionalizando negócios e transformando vidas, uma associação privada sem fins lucrativos. Aqui, é a designação jurídica de como ela se constitui, mas com certeza, para além de uma organização, uma conjugação de vontades para implantação de uma visão empresarial sistêmica e prática de que vidas negras importam!
E ciente da cor da pele do privilégio, eu me proponho a estar como membro e como constante divulgadora das iniciativas, das ações, das práticas dessa rede, como um megafone de 1,78m, porque a responsabilidade está nos meus poros. Ponte levadiça. E sobre esse conceito, a gente conversa no próximo texto, ok?
Para este texto, só um convite, a pertencer a este ato de coragem feminina coletiva. Tu vens?
1Montero, Rosa. Nós, mulheres: Grandes vidas femininas. Todavia, 2020, p.152
2 Anzaldua, Gloria. A vulva é uma ferida aberta e outros ensaios. Bolha Editora, 2021, p.223
3 Tiburi, Marcia. Feminismo em comum. Rosa dos Tempos, 2018, p.34
4 PIEDADE, Vilma. Dororidade. São Paulo: Editora Nós, 2019, p. 46
Chris Baladão, bicho raro, formada e por coração advogada, na época em que o curso levava sociais em seu nome, escritora por necessidade de expor a palavra, bailarina porque o corpo exige, professora porque a experiência da vida precisa ser compartilhada.