Neste início de ano passei uns dias de descanso com a família nas praias do Uruguai, o que já havia feito em anos anteriores, e afora o fato do dólar não estar favorável para nós, brasileiros, estar neste país irmão sempre é uma alegria. Seu ritmo vagaroso de acordar, chegando na praia à tarde com o mate debaixo do braço, a caixa térmica carregada de “bocadillos, vino y cervezas” para ir até o anoitecer, conversando, jogando bola, cantando e tocando violão, me encanta.
Chegam na praia em família, em grupos de amigos, de casais, mães com filhas, mulher e homem sozinhos. Cada um chega com seu jeito, seu estilo, sem se preocupar com o outro. Para mim especialmente, acostumada a cada Verão chegar e encontrar todos ansiosos para apresentar o que há de mais “fashion” à beira-mar, sempre me parece um outro mundo.
Aqui preciso fazer uma observação, é que essa cultura praiana sobre a qual trato não se aplica para a região de Punta Del Este, mas às praias do norte do país, mais ou menos rústicas, como Punta Del Diablo e La Pedrera, mais ou menos bucólicas, como Aguas Dulces, Valizas e La Paloma.
Percebendo a liberdade com que os corpos uruguaios se movimentam pela praia, a diversidade deles espalhados pela areia, nessa experiência de descanso no feriado de Ano Novo, pensei sobre como projetamos o Corpo Ideal, o Corpo Perfeito e o Corpo Real, e o quanto eles são conceitos diferentes, mas que no dia a dia a gente os confunde e os coloca como se fossem uma coisa só.
Quando pensamos num corpo ideal, é muito provável que virá a mente o “corpo perfeito”, ou seja, o padrão estético idealizado pela sociedade dominante, que dita o que é bonito e feio, assim como o que está na moda. O corpo ideal feminino é o padrão do que seria o corpo perfeito para uma mulher. O conceito de corpo ideal é mutável, ou seja, varia de acordo com muitos fatores, entre eles: sociais, culturais e temporais. Por exemplo, o modelo de corpo ideal feminino no século XIX é diferente do contemporâneo.
Ao contrário do corpo ideal, que segue uma “receita” que determina estereótipos físicos específicos, o corpo real não tem um padrão básico. Os corpos reais são caracterizados pelas particularidades inerentes de cada estrutura física, seja ela magra, alta, baixa, gorda, loira, morena, negra etc. Por isso, o corpo real é individual, aquele que leva em consideração a saúde de cada pessoa. Infelizmente a saúde, quando não muitas vezes a vida, são sacrificados em busca do “corpo ideal”. Porém nessa busca, considerando as diversidades de corpos, geralmente se imagina em algo a ser alterado, padronizado e melhorado com o intuito de ser aperfeiçoado ao ponto de atingirmos o “corpo ideal”, o “corpo perfeito”, sem refletir sobre o que é o significado disso sobre a nossa vida.
E tudo isso fica mais aguçado no Verão quando os corpos estão à vista. Conheço pessoas que não gostam da beira-mar porque tem medo do julgamento alheio, se vão à beira-mar ficam altamente desconfortáveis por que se acham grandes ou magras demais, com peitos demais ou de menos, bunda demais ou de menos… Pessoas em dia com sua saúde física, seus índices de colesterol, triglicerídeos, pressão sob controle… Seus corpos reais, naturais em dia, saudáveis. Pessoas em sofrimento por causa do “imperativo do corpo perfeito” que nossa sociedade doentia impõe.
O “foda-se” a esse “imperativo do corpo perfeito” não é fácil. Preciso dizer que no meu caso foi e continua sendo um processo. Vez ou outra me pego no piloto automático me julgando e sendo minha inimiga. Ainda sofro com o julgamento de pessoas que considero importantes pra mim. Essa trajetória eu consigo fazer com as amizades de outras mulheres, encontros, rodas de conversas, cursos, leitura, filmes e séries sobre envelhecimento, diversidade, gênero, feminismo, e a vida, ah, a vida… Assim o aprendizado vai se fortalecendo pra eu poder me olhar no espelho e me amar do jeito que sou.