Como falei na minha coluna de 29 de dezembro passado, estou tentando eliminar os quilos que ganhei durante a pandemia, na expectativa de chegar aos 50 anos com melhor qualidade e maior expectativa de vida. De lá para cá, por não ter conseguido grandes resultados com os métodos que havia adotado, busquei uma endocrinologista bem indicada para – dando o nome correto aos bois – tratar minha obesidade de grau I (IMC 30) como o que ela de fato é: uma doença.
Depois de uma primeira conversa em janeiro, em que a Laura Greca explicou como trabalha, conquistando a minha confiança (que desde então vem sendo reforçada por posts como este em seu perfil profissional no Instagram), decidi deixar o orgulho e o preconceito de lado e assumir que talvez fosse mesmo necessário usar o medicamento sobre o qual até então tinha ouvido falar pelas redes sociais, sem dar muita atenção, para me ajudar no processo.
Foi quando o que para mim até então não passava de um zunzunzum virou informação. E que avalanche de informações! O alvoroço é tanto, que o assunto chegou ao Oscar. No último domingo, na apresentação da premiação, o humorista Jimmy Kimmel arrancou risos da plateia ao comentar: “Está todo mundo muito bem. Olhando para vocês, não posso deixar de me perguntar: ‘será que eu também deveria usar Ozempic’?’”
Nesta semana, depois de fazer exames e descobrir que estou com o que se convencionou chamar de “pré-diabetes”, tive a indicação de usar a tal semaglutida (princípio ativo do queridinho dos famosos). “Só temos um problema”, disse a médica. “O Ozempic está em falta.” Por sua experiência, Laura disse em uma publicação em 16 de fevereiro, logo que o laboratório anunciou essa possibilidade, que já imaginava que isso viria a acontecer.
“Aqui no nosso dia a dia, temos que lidar com os pacientes afoitos pelas medicações que andam ganhando a mídia”, escreveu ela em outra ocasião. A endocrinologista cita o fato de que “tantas pessoas estejam dispostas a pagar o alto custo (literalmente) da automedicação” como um dos motivos da falta da caneta de 1mg do Ozempic®️ – destinado ao tratamento do diabetes – nas farmácias.
A mim, que tanto resisti em aceitar a ideia de tomar o remédio (inclusive pelo preço), essa busca meio inconsequente por algo tão recente no mercado me lembrou o frenesi causado pelo Prozac, quando surgiu, no final da década de 1980. No começo dos anos 1990, chegou a ser chamado de “a pílula da felicidade”. Passadas três décadas, já está claro que, embora possam salvar pessoas que antes estariam condenadas a períodos longos de depressão, remédios como o Prozac não são mágicos. E é possível usar em relação a eles a mesma frase de Laura Greca sobre os medicamentos para diabetes hoje usados para perder peso: “para emagrecer, não basta estar disposto a pagar pelo alto valor de uma medicação. Antes, é preciso estar disposto a mudar o estilo de vida”. Ela lembra ainda que a indicação do remédio não é adequada para todos os casos de excesso de peso.
O que torna essa busca desenfreada pelo Ozempic digna de nota é que, diferentemente do que houve com o Prozac, o uso exagerado e indiscriminado do Ozempic causa problemas não apenas a quem opta pela automedicação. Mais do que a vaidade, está em ação o egoísmo e a falta de empatia em relação a quem depende da medicação para manter a saúde. Algo parecido aconteceu com pessoas portadoras de lúpus que, durante a pandemia, ficaram sem o remédio de que precisavam para tratar da doença. Isso porque, mesmo sem eficácia comprovada, milhões de “gênios” decidiram que a agora famosa cloroquina funcionaria como preventivo para a Covid (algo que não apenas jamais foi confirmado, como foi refutado cientificamente).
Ao fim e ao cabo, tudo se resume à necessidade de encontrar atalhos para o caminho inevitavelmente tortuoso da existência. Talvez isso se resolva no dia em que inventarem a pílula (ou até mesmo a injeção) do autoconhecimento. Ou, quem sabe, a gente toma vergonha e começa a trabalhar nele desde já?