Desde os tempos dos colonizadores, a comida ganhou novos sentidos, deixando de lado rituais, conexões com a terra e a natureza, passando a ser explorada e desrespeitada, não considerando suas sazonalidades, origem e seus produtores. Na medida em que a sociedade foi avançando e populando novas terras, as maneiras como eram feitas e produzidas se perderam em meio à velocidade das coisas. O apreciar, o sentir o cheiro e o ato de comer com as mãos e o cozimento lento foram deixados de lado, perderam seu valor.
A tal comida de vó
Muito ainda se usa essa expressão “comida de vó”, o que significa uma comida saborosa com gostinho de casa, feito com afeto e carinho e carregado de ancestralidade. Pois ela provavelmente aprendeu com alguém que vivenciava uma outra época na qual cozinhar fazia parte da lida diária e aquela execução diária a tornava excepcional naqueles pratos. O que antigamente era por obrigação, atualmente foi se passando por prazer e por amor.
Onde está ancestralidade?
A história não mostra ancestralidade gastronômica em sua totalidade, quando se trata da comida afro-brasileira é ainda muito pior, pois há poucos registros e os que possuem se misturam com ritos religiosos. Porém, há uma questão que não pode ser apagada que é o ato de passar maneiras de fazer e respeito ao alimento de geração para geração, e esse ato não está nos livros nem em documentos e nem mesmo na internet, está nas veias, nos olhares, nas casas e famílias.
Por que é importante a cozinha ancestral e repassar para as próximas gerações?
Para que se respeite e se entenda uma história é necessário manter algumas tradições, nesse mundo tudo um dia vai, porém, se não for repassado não se mantém, se perde e se esquece. Assim entendo que para que as próximas e as atuais gerações entendam o legado da cozinha afro, seu valor, sua história e toda sua beleza, é necessário manter o que foi criado e todo seu legado e repassar mãe para filhas, tias e tios, irmãos para irmãs, engajar e envolver as pessoas mostrando essa riqueza, da onde surgiu, porque surgiu e como é feito.
Lembro muito na minha família a presença de quindins, pipoca, carnes de caça, farofas, sarrabulhos e encontros comemorativos nos quais se comiam certas comidas somente naquelas datas. Ficava a família inteira esperando para que o tal evento acontecesse, pois era um marco familiar. Por essa razão, não deixar morrer nossas raízes, nossas histórias e dar continuidade é um ATO DE RESISTÊNCIA, de respeitar a história de quem partiu e se dedicou e também aos próximos que virão.
Celebre, compartilhe e comemore o alimento e o ato de se alimentar como lhe foi ensinado, pois essa é uma das maneiras e formas lindas de contar nossa história.
Fabricio Goulart é chef e fundador da Feitosa Foodtech, Gestor de Inovação e Empreendedorismo para Startups. Mestrando em Ambiente e Sustentabilidade pela Uergs, contribui para projetos em negócios, sustentabilidade e educação com o objetivo de desenvolver os ecossistemas locais.