Volto ao filósofo Gilles Lipovetsky para aprofundar a ideia que estamos desenvolvendo de consciência corporal e criar cultura na sociedade. Em outra de suas aulas na FAAP/SP, conversamos sobre a interação entre pessoas no ambiente corporativo, sobre autenticidade do corpo, a troca entre corpos que ultrapassa uma razão convencional. É essa troca que cria uma cultura com capacidade de reverberar na sociedade. Criar cultura é mais do que um discurso, é mais do que uma boa proposta, um engajamento, é mais do que um conteúdo de excelência, é fundamentalmente uma prática. As empresas que estão neste caminho colhem resultados de significado e de lucro coletivo, que engloba seus integrantes, sua rede de colaboradores, clientes e mesmo o planeta. Hoje vamos ver o exemplo do belíssimo trabalho da Baden Torrefação, que há uma década vem construindo resultados positivos com seus cafés especiais no desenvolvimento dessa conexão.
Previamente, um conceito de consciência corporal do Institute of HeartMath, na Califórnia (EUA), organização de pesquisa e de educação sem fins lucrativos, sobre como os campos elétricos e magnéticos do coração superam os do cérebro: cerca de 100 vezes mais forte eletricamente e 5.000 vezes mais forte magneticamente. O campo do coração envolve todo o corpo e se estende por pelo menos 4,5 metros em todas as direções. Além de fonte poderosa de energia que diz a todas as células do nosso corpo o que fazer, também interage e é afetado pelo campo eletromagnético da Terra, assim como de outras pessoas, plantas, animais e tudo o que possui qualidades eletromagnéticas, os planetas, as estrelas, o próprio universo. Os cientistas defendem que criar um estado de “coerência do coração”, que conecta o coração e a mente, tem impacto sobre nós e quem nos rodeia. É a tal da troca entre corpos que ultrapassa a razão convencional.
A Baden foi instalada pelo agrônomo e barista Guert Schinke em um galpão, na Zona Norte de Porto Alegre, unindo as operações de torrefação e cafeteria, com balcão, “sala de estar” e mesas coletivas para degustação, eventos e cursos, que realizam todos os meses. Conversei com Guert neste ambiente único, repleto de sacas enormes de grãos verdes de café, apreciando, através de uma vitrine, as pessoas que ali trabalham colocarem os grãos na boca do torrefador, conforme a demanda, pois quanto mais fresca a torra, mais potencializados os benefícios e o sabor do café. Essas pessoas nos servem o café com todo o ritual que o envolve – conhecem a fundo o seu ofício.
Desde o início do negócio, Guert e sua mulher Carol foram conhecer as fazendas cafeeiras e levaram cada um dos seus colaboradores para também aprenderem sobre a origem do café. Tomar contato com as árvores, a terra, conhecer processos de cultivo, da floração, colheita, secagem e beneficiamento proporcionou a todos essa experiência de troca entre corpos, que fica registrada no inconsciente e passa a ser irradiada, criando cultura. “Não nos basta vender café, apostamos em formação e em uma troca criativa e produtiva com nossos funcionários, fornecedores e clientes. Resulta em parcerias que vão se firmando muito fortes. A equipe de loja está conosco quase desde o início, em 2012, numa relação amistosa, de confiança e comprometimento, todos são importantes em suas funções”, diz Guert.
É assim também com os produtores, que a Baden seleciona a dedo em vários estados para oferecer variedade de expressões do café, conforme o solo e o clima de cada região – Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Paraná e, em breve, Amazônia e Bahia. Guert cita um de seus fornecedores (*) como exemplo, Edimar Miranda, de Araponga, Matas de Minas, que vem desenvolvendo espontaneamente um cultivo orgânico, “com base nas experiências do seu dia a dia, na observação das plantas e no manejo das práticas mais intuitivamente do que por formação teórica, e também buscando capacitação em gestão sustentável, é um trabalho incrível que ele faz, já reconhecido”, conta Guert.
O cliente da Baden vai participando de toda essa cultura do café nas lojas e pode se aprofundar através dos cursos – acontecem em pequenas turmas, de até seis pessoas no de Barista e oito pessoas nos workshops, de forma a intensificar o contato entre os participantes – e eventos plurais, como o Cafestival – teve sua primeira edição em 2019 e na segunda, ano passado, pós-pandemia, cresceu em números e amplitude, com palestras, workshops e muita troca de experiências e conversas entre uma centena de profissionais de 40 cafeterias com o público de mais de duas mil pessoas. Agora, a Baden associa sua marca ao POA Jazz Festival, evento de música internacional, em mais uma ação de criar cultura junto ao público e justamente em uma manifestação cultural de grande repercussão na cidade. O seu time de baristas criou receitas inéditas com cafés especiais para apresentar no POA Jazz, que começa hoje no Barra Shopping Sul e segue até domingo.
O próximo passo da Baden é a inauguração de uma loja no Mercado Público de Porto Alegre. Não por estratégica de crescimento, mas novamente pela cultura do café, pois o mercado público de uma cidade reflete a alma gastronômica de sua população e estar nesse espaço com o café de pequenos e qualificados produtores é um ato importante. “Já houve interesse para que criássemos franquias, mas não é o que buscamos. Crescimento econômico não é o nosso foco. Queremos desenvolvimento econômico, para viver uma vida saudável, com energia e tempo para todos que caminham conosco. Para nossa família também, minha mãe Margaret, que começou nossa história com o café na Jerônimo D’Ornellas, nossos filhos Clara e Pedro (de 9 e 11 anos), para estarem sempre junto conosco usufruindo dessa empreitada, que visa, por fim, melhorar o seu futuro”, diz Guert, sem esquecer do cachorro da família, Bob, descendente afetivo do yorkshire Baden, que inspirou o nome do negócio.
Baden Torrefação de Cafés Especiais: @badentorrefacao – www.badentorrefacao.com.br
Endereços: Azevedo Sodré, 74 – Passo D´Areia e Barão de Sto. Ângelo, 384 – Moinhos de Vento
(*) Fornecedores da Baden
Buscamos sempre tentar furar essa bolha em que vivemos para expandir o nosso conhecimento e colher mais aprendizado com os que passam por nós. Parabenizamos os produtores e seus familiares, amigos e vizinhos que estão juntos nesse processo que desenvolve e entrega uma matéria prima maravilhosa e uma cultura incrível pelo Brasil e pelo mundo! ❤ (G.S.)
Foto de capa: de @ohiboke, com Carol Borges, Guert Schinke, Jessica Morais (barista, agachada), Tiago Justo (mestre de torra e barista), André Martinelli (barista campeão de bege) e Julia Fernanda (barista e designer)